sexta-feira, 22 de novembro de 2013

ESTRADA DE SANTOS: A PÉ É MAIS RÁPIDO




Na infância, viajar para Santos era o supra sumo do passeio perto de casa. O mar era logo ali. Minha avó tinha um apê próximo à Praça da Independência, que eu, na ingenuidade infantil, chamava de "pracinha" [só adulto ficaria sabendo que é a praça mais importante de Santos]. Os bondes abertos ainda circulavam pela orla. Os cobradores ficavam pendurados como macacos, fazendo acrobacias para receber dos passageiros. O Guarujá era bem chique e só era acessível por balsa. E o Samambaia, situado no morro do final da praia da Enseada, era o clube da elite paulistana no balneário. O percurso, a partir de São Paulo, era feito em no máximo duas horas. Um dia, porém, no final dos anos 60, a subida da serra durou seis horas, pela sinuosa via Anchieta, a única estrada que existia então rumo ao litoral sul. A diversão, naquela exaustiva viagem de volta, era "brincar" de buzinar nos túneis. Uma atitude bem paulistana, bem neura. Nesse dia meu pai decretou: "Nunca mais vamos para Santos". Ele levou a palavra ao pé da letra. Lamento, Roberto Carlos, mas meu pai cantou a bola antes da letra de sua música alardear "na estrada de Santos eu não vou mais passar".

    No último feriado de três dias, em 15 de novembro, muita gente viveu o horror que é completar 64 km em até 12 horas -- notáveis 5,3 km por hora. Caminhando, calmamente, você chegaria junto com o automóvel. Um vencedor da São Silvestre faria o percurso em 3 horas, a 20 km por hora, que é a velocidade de cruzeiro de um fundista. Um inferno, só para colocar o pé na areia, para tomar um banhozinho de mar sob o céu azul. Mesmo tendo uma rodovia moderna e larga como a Imigrantes, houve gente que fez piquenique na estrada, como em um famoso conto de Júlio Cortázar, intitulado "Auto-Estrada do Sul", que fala de um congestionamento gigante sem explicação. A primeira vez que o conto virou realidade aconteceu no final dos anos 80, quando o pedágio da Imigrantes funcionou como comporta, liberando os veículos aos poucos. Eu era repórter, e havia um inédito "engarrafamento de descida", na serra, contrariando o ditado que diz que "pra descer todo santo ajuda". Houve réveillon no asfalto: muita gente deu meia-volta, desistiu de viajar, como aconteceu no último feriado. Só escapei desta porque passei pelas curvas da estrada de Santos um dia antes.

 

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