domingo, 20 de dezembro de 2015

O RESUMO DA ÓPERA - SEMPRE ÀS QUINTAS

UMA LEITURA SEMANAL DOS JORNAIS -- N11 - 17.12.2015

POR GEORGE ALONSO



 SENTIR-SE INTEIRO: O PÊNIS EM QUESTÃO

               Deu no "NYT". Os EUA estão oferecendo transplante de pênis para mutilados de guerra. O receptor só recebe o pênis, porque o pênis é transplantado sem os testículos. Há várias exigências para se candidatar à cirurgia, que dura 12 horas. Mas a frase de um mutilado de guerra explica tudo: "Quero me sentir inteiro outra vez". A palavra "inteiro", inevitavelmente, remete ao vocabulário dos haras: o cavalo é "inteiro ou castrado"? Há coisas muito sutis que esse transplante talvez seja capaz de devolver. 

              O primeiro transplante de pênis dos EUA será feito em um soldado ferido na guerra dentro de um ano ou menos, segundo o Hospital da Universidade Johns Hopkins. O soldado é jovem e foi ferido no Afeganistão. O novo pênis será de um doador morto. Em entrevista ao “The New York Times, os cirurgiões esperam restabelecer a função urinária, restaurar as sensações e a capacidade de manter relações sexuais do paciente alguns meses após a operação. Andrew Lee, chefe do serviço de cirurgias reconstrutoras do Johns Hopkins, alertou que os pacientes devem evitar ter esperanças "irreais" de que possam recuperar inteiramente as funções do membro, mas estimou "realista" que possam esperar procriar. Como o jovem não teve os testículos afetados, se tudo dor bem, poderá ter filhos. Entre 2001 e 2013, 1.367 militares enviados ao Iraque e ao Afeganistão foram feridos nos genitais, informou o Pentágono ao jornal. Quase todos tinham menos de 35 anos e foram feridos em explosões de bombas artesanais. A faculdade de medicina da Johns Hopkins autorizou mais 59 transplantes experimentais deste tipo. Depois, os resultados serão avaliados para decidir se a operação poderá se configurar como procedimento habitual. 

O  MÉDICO E O PACIENTE: POR QUE LEVY CAIU?

                  O sociólogo André Singer comenta a saída de Joaquim Levy (foto), no artigo "Antes tarde", sobre o primeiro ano do segundo mandato de Dilma, e as chances de dar certo com Nelson Barbosa na Fazenda, publicado na "Folha".

              Após um ano trágico, a presidente Dilma Rousseff corrige o dramático erro que cometeu ao optar por Joaquim Levy e coloca no Ministério da Fazenda aquele que deveria ter sido o escolhido desde o início. Diante das opções moderadas que a correlação de forças provavelmente impunha naquele distante novembro de 2014, o economista Nelson Barbosa era a melhor escolha. Vamos ver o que conseguirá fazer agora que o país rola no despenhadeiro do austericídio.

             As condições em que Barbosa assume são das mais difíceis. No entanto, chega ao comando da economia quando novo pacto de classe aponta no horizonte. Depois do fracasso do ensaio desenvolvimentista apoiado na coalizão entre trabalho e capital formalizada em maio de 2011, houve reagrupamento da burguesia em torno do ajuste recessivo. De 2013 em diante, a frente produtivista se desfez. 

            Foi necessário que, em 2015, uma das mais graves retrações em décadas ameaçasse não só as conquistas recentes dos empregados, mas igualmente a sobrevivência dos capitalistas, para que a unidade do setor produtivo começasse a se restabelecer. Na terça passada, representantes da CUT, da Força Sindical e de outras quatro centrais, junto a relevantes associações de empresários, entre elas a Confederação Nacional da Indústria (CNI), entregaram a Dilma documento sob o título "Compromisso pelo desenvolvimento".

            De acordo com Clemente Ganz Lúcio, diretor do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), a proposta, destinada a propiciar transição rápida para o crescimento, sugere a retomada do investimento público e privado em infraestrutura, em particular nos setores de petróleo e gás; o destravamento da área da construção; o incentivo à exportação industrial; a ampliação do capital de giro para as empresas e o fortalecimento do mercado interno.

           A adesão do capital a essa agenda não é completa, como o demonstra a significativa ausência da Fiesp entre os signatários. Dada a fragilidade política do governo, a tarefa número um do novo ministro seria a de negociar o apoio dos até aqui recalcitrantes. Contudo, há sinais de que mesmo o setor financeiro estava insatisfeito com a política seguida por Levy, o que poderia facilitar em algo a tarefa de unificar a sociedade em torno de um horizonte construtivo.

          Dada a profundidade do buraco econômico em que caímos e a gravidade da crise política, a missão do novo ministro é quase impossível. Mas depois de ter tomado caminho por completo equivocado, o lulismo volta aos próprios trilhos. Pode ser tarde demais para salvar paciente que respira por aparelhos, mas ao menos o médico intensivista quer fazê-lo. O anterior exalava evidente antipatia pelo doente. 

A FRASE

"A multidão que passa barulhenta e circula por aqui está atrás de um Duce de ocasião, um líder que se apresente 'acima dos partidos' e cultive incontido ódio por todos os tons de vermelho, como o próprio Mussolini"
[Trecho do livro "Golpe de Estado", de Palmério Dória e Mylton Severiano, recém-lançado. Qualquer semelhança é mera coincidência]


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Esta coluna entra em férias e volta em meados de janeiro

domingo, 13 de dezembro de 2015

A SOLIDÃO DENUNCIADA


        
       Está bem! Conjuguei o verbo querer no tempo errado [disse ao rapaz, ou melhor digitou, hoje ninguém diz, digita]. Estava irritada demais para saber. Odeio bate-boca seja real ou virtual e não vejo lógica alguma em colecionar inimigos [inimigos virtuais então! Ô, coisa mais besta!]. Nós nos equivocamos. Espero sinceramente que tente não odiar-me. Eu não gostaria de saber que você é um feiticeiro vodu poderoso [pausa dramática]. Por favor, diga que você não é. Tem razão! Os meus desejos não são sonhos. São fantasias, "faz favor"! Algumas mais inocentes. Outras nem tanto. Não posso evitar que sejam contigo. Em algum momento irão embora. Em 20 anos, talvez?
       Publicou o texto na íntegra! Concordo com sua descrição e queixas. Só se esqueceu de escrever sobre "scammers", pessoas com um gosto tão refinado, capazes de perceber beleza de olhos e sorrisos em avatares totalmente desprovidos dos mesmos. Mas, sabe?, as pessoas aqui não são assim tão diferentes das reais. Os sites apenas viabilizam encontros que em circunstâncias normais seriam inviáveis -- como aqueles oriundos de Estados diferentes por exemplo -- e o amor, embora possível, por ser como uma planta daninha, viceja em terrenos aparentemente áridos e inférteis [Hitler, o genocida mais maldito de todos, aparentemente amava sua companheira, Eva Braun, e casar-se algumas horas antes de uma captura ou morte certa foi um ato muito romântico], torna-se um pouco mais difícil de alcançar por conta da demanda.

        O site relata milhões de inscritos, entretanto o registro de usuários online dificilmente ultrapassa a casa dos 20 mil. Ainda assim é um número assustador de caras e bocas. É como experimentar perfumes. Depois de alguns minutos, todos parecem iguais. Minha visão pessoal: não existe amor à primeira vista. Ou amor sem cheiro, textura, sabor. Sem algumas afinidades reais [porque papel, nesse caso a tela do computador, aceita tudo], sem admiração mútua. Sem falar do respeito, da cumplicidade. Tudo isso só se alcança com o tempo. O que existe à primeira vista é desejo. Em intensidades variáveis. Amor, poderá surgir depois ou não.

        E sobre safadeza no site. "...Que devagar vais desfolhando a líquida espuma do prazer em rito mudo, lenta-lambente-lambilusamente ligada à forma ereta, qual se fossem a boca o próprio fruto e o fruto a boca, oh chega, chega, chega de beber-me de matar-me, e, na morte, de viver-me..." É Carlos Drummond, vocè sabia? Pois, é um trecho de um de seus poemas eróticos. Safadinho, né? Mas quem não é? Corrigindo: então, quem não é?

        Havia uns três dolorosos dias que não sonhava com a cor de teus beijos e o deslizar agoniante de sua pele queimando a minha. O desejo, pulsando nas têmporas, nos caminhos esquerdos e nos lugares escondidos. Branco ou tinto? Minha cabeça em seu peito e uma dúvida: acaricio suas pernas ou você, as minhas?

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sábado, 12 de dezembro de 2015

O RESUMO DA ÓPERA - SEMPRE ÀS QUINTAS

 UMA LEITURA SEMANAL DOS JORNAIS - N10 - 10.12.2015

GEORGE ALONSO

 José Serra: tucano aliado da ambição de Michel Temer visita governadores, contra Dilma 
Temer quer a faixa



















O impedimento de Dilma e o embaixador do golpe

O desembarque do vice de Dilma, Michel Temer (PMDB), um ano depois de eleito é mais uma demonstração de que o presidencialismo de coalizão está esgotado, além da barganha descarada e corrupta no Congresso. Ninguém consegue governar sem apoio do baixo [baixíssimo] clero dos parlamentares. Com a carta chororô e o discurso  de "precisamos unir o Brasil", Temer, o traidor, tenta convencer governadores que são contra impedir a presidente, para que apóiem a derrubada da petista por meio do artifício legal [questionádo] das "pedaladas fiscais".  Se a presidente for impedida, pergunta-se, qual governador ou prefeito será também afastado??? Não se trata de apoiar "mutretas fiscais", mas o resultado eleitoral jamais aceito pela oposição é a razão de tentar tirar do Planalto uma presidente de mãos limpas (até agora pelo menos). Trata-se de uma ameaça a democracia. Até o "NYT" percebeu a "jogada" e a denunciou em editorial. O senador José Serra (PSDB) tem desempenhado um papel que é bem de seu feitio: tenta convencer governadores a abandonar o apoio a Dilma. Serra é o embaixador de Temer, é o embaixador do golpe branco. E já tem vaga garantida num eventual governo Temer.


Frase da semana

"Você é um homem deselegante, descortês, arrogante e prepotente. Por isso nunca chegará à Presidência da República"
Kátia Abreu, ministra da Agricultura, recém-casada, ao jogar uma taça de vinho branco no rosto do senador José Serra (PSDB) que a chamou de "namoradeira" numa festa de final de ano em Brasília

Elite corrupta na cadeia

Marcelo Odebrecht deixa a presidência da holding da família. Justiça mantém presos executivos da Andrade Gutierrez. Preso, banqueiro é afastado da direção de banco. Vice-presidente da Anfavea também preso é afastado da entidade. Quem diria que veria tanta gente graúda na cadeia? E tem muito mais por aí, alguém duvida?


Estado oligárquico de direito

Esse é o título do artigo que o filósofo Vladimir Safatle publicou na "Folha" e que reproduzo aqui, pela clareza de sua visão do momento político brasileiro 

Neste momento, a população brasileira vê, atônita, a preparação de um golpe de estado tosco, primário e farsesco. Alguém poderia contar a história da seguinte forma: em uma república da América Latina, o vice-presidente, uma figura acostumada às sombras dos bastidores, conspira abertamente para tomar o cargo da presidente a fim de montar um novo governo com próceres da oposição que há mais de uma década não conseguem ganhar uma eleição. Como tais luminares oposicionistas da administração pública se veem como dotados de um direito divino e eterno de governar as terras da nossa república, para eles, "ganhar eleições" é um expediente desnecessário e supérfluo.

O vice tem como seu maior aliado o presidente da Câmara: um chantagista barato acostumado, quando pego em suas mentiras e casos de corrupção, a contar histórias grotescas de fortunas feitas com vendas de carne para a África e contas na Suíça com dinheiro depositado sem que se saiba a origem. Ele comanda uma Câmara que funciona como sala de reunião de oligarcas eleitos em eleições eivadas de dinheiro de grandes empresas e tem ainda o beneplácito de setores importantes da imprensa que costumam contar a história do comunismo a espreita e do bolivarianismo rompante para distrair parte da população e alimentá-la com uma cota semanal de paranoia. O nome de sua empresa diz tudo a respeito do personagem: "Jesus.com".

O golpe ganha um ritmo irreversível enquanto a presidenta afunda em suas manobras palacianas estéreis e nos incontáveis casos de corrupção de seu governo. Ela havia dado os anéis para conservar os dedos; depois deu os dedos para guardar os braços. Mais a frente, lá foram os braços para preservar o corpo, o corpo para guardar a alma e, por fim, descobriu-se que não havia mais alma alguma. Reduzida à condição de um holograma de si mesma e incapaz de mobilizar o povo que um dia acreditou em suas promessas, sua queda era, na verdade, uma segunda queda. Ela já tinha sido objeto de um golpe que tomou seu governo e a reduziu à peça decorativa. Agora, nem a decoração restou.

Bem, este romance histórico ruim e eternamente repetido parece ser a história do fim da Nova República brasileira. Que ela termine com um golpe de estado primário, fruto de um pedido de impeachment feito em cima da denúncia de "manobras fiscais" em um país no qual o orçamento é uma ficção assumida por todos, isto diz muito a respeito do que a Nova República realmente foi. Incapaz de criar uma democracia real por meio do aprofundamento da participação popular nos processos decisórios do Estado e equilibrando-se na gestão do atraso e do fisiologismo, ela acabou por ser engolida por aquilo que tentou gerir. Para justificar o impeachment, alguns são mais honestos e afirmam que um governo inepto deveria ser afastado. É verdade, só me pergunto por que então conservar Alckmin, Richa, Pezão e cia.

O fato é que, no lugar da Nova República, o Brasil depois do golpe assumirá, de vez, sua feição de Estado Oligárquico de Direito. Um estado governado por uma oligarquia que, como na República velha, transformou as eleições em uma pantomima vazia. Uma oligarquia que já mostrou seu projeto: uma política de austeridade que não temerá privatizar escolas (como já está sendo feita em Goiás), retirar o caráter público dos serviços de saúde, destruir o que resta dos direitos trabalhistas por meio da ampliação da terceirização e organizar a economia segundo os interesses não mais da elite cafeeira, mas da elite financeira.

Mas como a população brasileira descobriu o caminho das ruas (haja vista as ocupações dos estudantes paulistas), engana-se aqueles que acreditam poder impor ao país os princípios de uma "unidade de pacificação". Contem com um aumento exponencial das revoltas contra as políticas de um governo que será, para boa parte da população, ilegítimo e ilegal. Mas como já estamos dotados de leis antiterroristas e novas peças de aparato repressivo, preparem-se para um Estado policial, feito em cima de leis aprovadas, vejam só vocês, por um "governo de esquerda". Faz parte do comportamento oligarca este recurso constante à violência policial e ao arbítrio para impor sua vontade. Ele será a tônica na era que parece se iniciar agora. Contra ela, podemos nos preparar para a guerra ou agir de forma a parar de vez com este romance ruim.

Frase e comentário

"O mal-estar presente dos brasileiros afeta a memória que eles têm do governo Lula e, por extensão, suas chances como candidato no futuro"
Hélio Schwartsman, colunista da Folha, sobre a avaliação do governo Lula em 2010 e agora. Em 2010, 71% consideravam a sua gestão a melhor da história do país contra 39% agora, sem contar a derrota em um eventual 2º turno em 2018, segundo pesquisa feita pelo Datafolha.


Só faltou dizer que Lula sofre uma campanha diária de desgaste na mídia que a propaganda eleitoral na TV pode reverter. Agora, se Lula for mesmo candidato, infelizmente, deve haver uma eleição muita radicalizada e com alto risco de violência entre simpatizantes petistas e antipetistas. O país, cindido, vai ter um pleito "tipo Venezuela", com jeito de plebiscito.  

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