Uma agulha no palheiro. Informação selecionada e às vezes comentada, histórias do dia a dia dos mortais, crônicas e tudo aquilo que mexe com o humor de um jornalista inconformado
sábado, 30 de janeiro de 2016
O GUARDA-CHUVA
Era a primeira vez que se viam frente a frente. E foi um desastre. Ela não gostava daquela comida francesa. O bistrô, escolhido por ele a dedo por considerar o lugar ideal para um jantar romântico, só servia pratos de caça. Constrangido, o rapaz tentava contornar a situação. Já havia pedido um bom vinho de mesa. Nada parecia engrenar, exceto o desejo de conhecer aquela mulher com quem conversara horas a fio pelo whatsapp, esse vício moderno, durante dias, ao estilo nunca te vi sempre te amei. Era tarde e o rapaz, vacilante, decidiu ficar ali, não tentar outro restaurante. Ele ainda encomendou uma torta de queijo, ao vê-la beber vinho tinto sem colocar na boca um pedaço sequer de pão. Embora o encontro tenha se sustentado por minutos de conversa divertida, aguda, estava resignado com o ''não-jantar". Já se dava como abatido pela mesa errada, pela escolha infeliz.
Recém-solitários, os dois falavam sobre viver o momento, sem que isso significasse abandonar sonhos e desejos futuros. E como viviam isso, não só da boca pra fora, como acontece com muita gente que costuma alardear tal comportamento como qualidade adquirida ao longo da vida. Até que a mulher pediu licença e se levantou para ir ao banheiro. O rapaz percebeu que não estava bem. Pediu a conta e pagou-a enquanto a moça tentava se recompor. Quando saiu do restaurante, abriu o guarda-chuva porque chovia, pouco. Mas chovia. Levou-a, preocupado, até o carro. No caminho de volta, tentou socorrê-la com drogas, até parou numa farmácia, mas o que resolveu mesmo foi meia lata de coca-cola com paçoca. De volta à sua casa, entristecido, pensou: amanhã é tempo de pedir desculpas, educadamente lamentar, colocar a roupa de domingo e esquecer. Mais uma noite de luto viria.
No dia seguinte, ele campeão de fiascos das primeiras noites, como ele se definia após tantos e sucessivos fracassos no primeiro encontro, foi surpreendido. Ela dizia que queria vê-lo de novo pela sua autenticidade, pelo seu jeito meio destrambelhado de ser, que a mulher não sabia ser resultante de uma deficiência [ainda que naqueles dias quase invisível] e pelo guarda-chuva. Sim, [ela revelaria mais tarde] aquele objeto antigo e quase obsoleto que ele levara e que -- meio atrapalhado ao entregar o carro ao manobrista ao chegar-- abrira para proteger aquela mulher das poucas gotas de água que começavam a cair naquela noite de casal debutante. Se a primeira noite para aquele homem havia deixado a sensação do sabor amargo de um cabo de guarda-chuva, o mesmo guarda-chuva guardava outro gosto para aquela moça alta -- e, aos olhos daquele homem, de uma beleza singular. O gesto de abrir e fechar o guarda-chuva, uma atitude espontânea e despercebida pelo rapaz, tinha tido o peso de uma sentença judicial, sem direito a apelação, para a moça. Sim, nada tinha dado certo, mas o uso do guarda-chuva, ainda que exagerado para o momento -- porque até o toró fôra só uma tenra ameaça -- ganhou um significado único para aquela mulher: o gesto de quem cuida.
Daí seguiram-se novos encontros dos debutantes e seguidas noites ferozes, nascidas de um amor que foi se nutrindo e se expandido, pelas semelhanças e também pelas diferenças inúmeras, na contramão desses tempos de cólera, indelicadezas e descuidos ilimitados s/a.
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sexta-feira, 29 de janeiro de 2016
O RESUMO DA ÓPERA - SEMPRE ÀS QUINTAS
UMA LEITURA SEMANAL DOS JORNAIS - N12 -- 28.01.2016
POR GEORGE ALONSO
UMA LEITURA SEMANAL DOS JORNAIS - N12 -- 28.01.2016
POR GEORGE ALONSO
Em manchete a mentira do governo Geraldo Alckmin |
Jornalismo zero e zero em matemática
A “Folha” errou? Viral na
rede, a informação de que a manchete da "Folha" escondeu a verdade sobre
a taxa de homicídios no Estado de São Paulo. Pela metodologia da Secretaria de
Segurança, uma chacina é considerada UMA morte nas estatísticas, mesmo que tenham sido assassinadas cinco,
seis, sete, oito, dez pessoas. A taxa também não considera latrocínio (roubo seguido
de morte) como homicídio. Como latrocínio e assassinato cometido por PM
não são considerados “homicídios dolosos”, a taxa de homicídios por 100 mil
habitantes caiu para 8,73. Do contrário, subiria para 11,7 para cada 100 mil
habitantes. Acima de 10, a taxa é considerada “epidêmica” pela ONU.
Conclusão: bem torturados, os números podem
dizer qualquer coisa!
E mais: a UOL publicou como verdadeira uma piada sobre o motivo da falta de pasta de dente na Venezuela: os venezuelanos estariam escovando demais os dentes, três vezes ao dia. [não há dúvida sobre o caos econômico do país vizinho, mas copiar e usar como verdadeiro uma piada de um site daquele país... Sem comentários.]
Jogo de cena
"Não posso continuar em um partido
que tomou mais de R$ 300 milhões da Petrobras", afirmou o apresentador de
TV José Luiz Datena, ao anunciar que vai sair do PP. A desistência, em
meados janeiro, se deu um dia depois de o jornal "O Estado de S. Paulo"
publicar reportagem que mostrou que a Procuradoria Geral da República estimou
em R$ 358 milhões o total de propinas obtidas pelo PP, entre de 2006 e 2014, no
esquema de assalto à Petrobras. Ele também lá não estava disposto a enfrentar
Paulo Maluf em eventual prévia do partido para a disputa do cargo de prefeito
paulistano. "Jamais disputaria uma prévia eleitoral com Maluf. Preferia
uma disputa com Marcola", ironizou Datena [Marcos Herbas Camacho, chefão
do PCC, facção do crime organizado].
Puro jogo de cena: o PP sempre teve Maluf
e sempre esteve acusado de se envolver em casos de corrupção... E Datena não
sabia? Ah, tá!
O troféu
Faixa abandonado no "protesto" contra a democracia |
Enquanto não pegarem Lula, não vão
sossegar... Ele é o alvo. Dilma é apenas um pretexto. O objetivo é destruir o
PT e se puder com a foto do ex-presidente, na capa de todos os jornais,
algemado..A investigação da Operação Lava-Jato, notável esforço anticorrupção,
pode servir para ferir de morte a democracia. Eu já vi esse filme... Ele se passou
em 1964. O que faziam na última terça-feira na Marginal Pinheiros, na pista local entre as
pontes Cidade Jardim e Eusébio Matoso (sentido Castello Branco), 14 pessoas [exatas 14] com uma gigante bandeira verde e amarela, em forma
de faixa, paralisando o trânsito, durante quase todo o dia, com gritos contra
Lula e Dilma. A PM do Alckmin não apareceu... Ah, se fossem estudantes! E ainda
ontem havia uma lembrança do "protesto" no canteiro central. Uma
faixa pendurada numa árvore [foto acima], com o seguinte dizer:
"Comunismo, não!" Não faltou, claro, pedir a volta dos militares ao poder.
Imprudência
(?) e o direito à defesa
O
Ministério Público Federal afirmou
na última segunda-feira (25), em audiência com o juiz Sergio Moro, que parte dos depoimentos
prestados pelo lobista e delator Fernando Moura não foram gravados. O pedido para ter acesso a áudios e vídeos
referentes a termos de delação premiada com informações cedidas pelo
lobista foi feito pela defesa do ex-ministro José Dirceu. Após ouvir Moura dizer ao juiz Moro, na semana
passada, que havia trechos nos termos de sua delação premiada que ele não falou no momento em que prestou o depoimento a Polícia Federal e a
procuradores da Força Tarefa de Curitiba, o advogado Roberto Podval quis ter
acesso ao material para "esclarecer o que foi dito". O pedido não poderá ser atendido, segundo o
despacho de Moro, já que o MPF disse não ter gravado os depoimentos solicitados pela defesa de Dirceu. À "Folha", Podval afirmou que ainda não sabe qual medida tomará diante do fato de
que os áudios não existem. Para os defensores, causou estranheza a ausência das
gravações, já que o padrão da Lava-Jato é gravar os depoimentos dos delatores
durante o processo de colaboração premiada. O quadro esquemático abaixo
foi publicado pela "Folha”:
NÃO É BEM ASSIM...
O que o delator Fernando Moura disse à PF e desdisse, agora, ao juiz Sergio Moro
NÃO É BEM ASSIM...
O que o delator Fernando Moura disse à PF e desdisse, agora, ao juiz Sergio Moro
ANTES
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DEPOIS
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A FUGA | Em 2005, foi orientado pelo então ministro José Dirceu a sair do Brasil e ficar no exterior “até a poeira baixar” | “Depois até que assinei [o depoimento] que eu fui ver, diz que o Zé Dirceu me orientou a isso. Não foi esse o caso.” |
AJUDA DO AMIGO MINISTRO | Dirceu o orientou a arrumar uma empresa e prometeu ajudá-lo em seus negócios. Foi quando indicou ao governo do PT, a pedido do dono da Etesco, o nome de Renato Duque para diretor da Petrobras | “Não sei se a última palavra na indicação de Duque foi do José Dirceu” |
A ETESCO | Mencionou arranjo entre a Etesco e Duque para que a empresa fechasse contratos milionários com a Petrobras | Disse não saber se a Etesco foi ajudada por Duque e afirmou: “Devem ter preenchido um pouquinho mais do que eu tinha falado. Mas se eu falei, eu concordo” |
PADRINHO DE DUQUE | Disse que Duque e os donos da Etesco “ficaram milionários” com os negócios na Petrobras, e que a Etesco também lucrava ao repassar contratos a outras empresas | Indagado a respeito pelo juiz Moro, respondeu: “O Licínio [Machado, dono da empresa] já era [milionário], sempre foi” |
OUTROS EPISÓDIOS
Não é a primeira vez que um delator muda sua versão
OUTROS EPISÓDIOS
Não é a primeira vez que um delator muda sua versão
PAULO ROBERTO COSTA, ex-diretor da Petrobras
> Desvios na estatal: Primeiro, disse que a propina era obtida via Petrobras, em contratos superfaturados. Depois, que saía da margem de lucro das empresas
> Renan Calheiros e Romero Jucá: Disse que os senadores recebiam propina, mas depois só citou reuniões com os políticos
ALBERTO YOUSSEF, doleiro
Aécio Neves: Disse que o tucano ganhou propina em Furnas no governo FHC. Depois, afirmou que só tinha ouvido falar que o senador tinha influência lá
NESTOR CERVERÓ, ex-diretor da Petrobras
Lula: Apontou propina para a campanha do ex-presidente, vinda da refinaria de Pasadena (EUA). A menção sumiu em seu termo de delação
AUGUSTO MENDONÇA, empresário
Renato Duque: Primeiro, disse que o ex-diretor recebeu US$ 6 mi. Depois, afirmou que ele não ficou com todo o dinheiro
quarta-feira, 27 de janeiro de 2016
OLIMPÍADA NO RIO: GLÓRIA OU PESADELO?
Rio de Janeiro: "Bonita por natureza", mas sem despoluir a Baía de Guanabara para os Jogos Olímpicos de 2016 |
O fantasma dos prejuízos estratosféricos ronda a Olimpíada do Rio de Janeiro 2016 a poucos meses do início da maior competição esportiva do planeta – cada vez mais complexa devido ao gigantismo do número de participantes e, por isso, cada vez mais cara. Sem dúvida será o maior evento a ser realizado no Brasil, em agosto próximo, justamente em meio a grave crise econômica, com a credibilidade do país em xeque. Canadenses e gregos sabem exatamente o que isso significa.
Montreal, cidade atualmente com 1,5 milhão de habitantes, precisou de 30 anos para pagar a conta dos Jogos Olímpicos de 1976. À época, com apenas 1 milhão de moradores, o desejo de reconquistar o status de metrópole mais importante do Canadá – prestígio perdido para Toronto nos últimos 40 anos -- levou Montreal à disputa pela organização de uma Olimpíada, derrotando cidades poderosas como Los Angeles (EUA) e Moscou (URSS). Em tempo de Guerra Fria, a candidatura da cidade canadense caiu como uma luva para o Comitê Olímpico Internacional (COI). Serviria para aliviar tensões, momentaneamente, e fazer [como de fato fez] o mundo esquecer os Jogos de Munique (1972), marcado pela violência política e pelo terrorismo – o grupo palestino Setembro Negro seqüestrou e matou 11 atletas israelenses dentro da vila olímpica alemã. Mas o fracasso financeiro sem precedentes na história obrigou, no entanto, a prefeitura de Montreal a cobrar dos moradores, por meio de impostos, a dívida de US$ 2,5 bilhões (o equivalente, no câmbio atual, a R$ 10 bilhões), só quitada totalmente em 2008.
Quatro anos antes, em 2004, os Jogos Olímpicos de Atenas, segundo especialistas, serviram para ajudar a corroer economia grega, hoje em colapso. O governo grego investiu então o equivalente hoje a R$ 44 bilhões para sediar os Jogos Olímpicos -- onde eles surgiram e foram realizados pela primeira vez na Era Moderna em 1896. Agora instalações milionárias estão abandonadas e inúteis, como, por exemplo, o parque aquático. Economistas europeus concordam que essa gastança desenfreada contribuiu de forma significativa para a catástrofe econômica que abala a Grécia na atualidade.
Quatro anos antes, em 2004, os Jogos Olímpicos de Atenas, segundo especialistas, serviram para ajudar a corroer economia grega, hoje em colapso. O governo grego investiu então o equivalente hoje a R$ 44 bilhões para sediar os Jogos Olímpicos -- onde eles surgiram e foram realizados pela primeira vez na Era Moderna em 1896. Agora instalações milionárias estão abandonadas e inúteis, como, por exemplo, o parque aquático. Economistas europeus concordam que essa gastança desenfreada contribuiu de forma significativa para a catástrofe econômica que abala a Grécia na atualidade.
Vale a pena ser a sede uma Olimpíada? Olhando friamente o histórico de outras cidades do mundo, mais desenvolvidas e ricas, e que realizaram Olimpíadas, a resposta seria “não”. É uma péssima aposta ao que tudo indica. Por isso, a população brasileira deveria estar mesmo preocupada com a realização, embora agora inevitável, dos Jogos no Rio. Com receio de não conseguir cidades interessadas no megaevento, não é à toa que o Comitê Olímpico Internacional (COI) tem usado com cada vez mais ênfase o argumento do “bom legado”, em infra-estrutura geral e instalações esportivas. Para as populações das cidades-sedes, porém, nem sempre isso tem sido verdade. O custo sempre elevado de uma Olimpíada tem levado cidades como Boston e até duas ex-sedes olímpicas, Roma e Estocolmo, a desistir de candidaturas, por entenderem que há outras prioridades locais.
No caso brasileiro, mais recente, aparecem os Jogos Pan-Americanos de 2007, ocorridos com certa tranqüilidade também no Rio, o que abriu as portas para a candidatura olímpica vitoriosa. Algumas das instalações esportivas daquele evento, porém, sequer servirão para a Olimpíada e o custo final do Pan, em torno de R$ 5 bilhões, ficou cinco vezes superior ao previsto. Basta lembrar ainda a Copa do Mundo de 2014, a segunda competição do gênero promovida pelo Brasil, que -- embora tenha servido de forma inegável para a modernização dos estádios -- deixou muito mais do que o “vexame do Mineirão” como legado. Foram investidos cerca de R$ 27 bilhões, segundo o balanço oficial apresentado pelo governo federal após a Copa, e ficaram pelo menos três “elefantes brancos”, inviáveis economicamente: as arenas de Manaus e Cuiabá, onde o futebol mal subsiste, e o estádio nacional de Brasília. Os três estádios só enchem quando times populares de São Paulo e Rio jogam pelo Campeonato Brasileiro ou em amistosos e partidas oficiais da seleção brasileira – ou ainda em eventuais espetáculos musicais.
Na Olimpíada do Rio, estima-se oficialmente que o Brasil investirá pelo menos cerca de R$ 43 bilhões, mas o impacto final nas finanças do país ainda é um mistério – e o gasto pode ser bem maior. Vale lembrar que só as ampliações e melhorias do Aeroporto Internacional Tom Jobim, o Galeão, de custos iniciais previstos da ordem de R$ 80 milhões já viram sua previsão de gastos subir para quase R$ 100 milhões – reajuste provocado inclusive pelos atrasos [intencionais?] das obras. Atrasar obras públicas e rever prazos são maneiras de elevar custos muito praticadas pelas construtoras no país – sem falar em custos mais baixos apresentados em projetos, seguidos por superfaturamentos durante as construções, que exigem aditamentos de recursos. Além disso, embora necessária, a ambiciosa promessa de despoluição da Baía de Guanabara não sairá do papel -- ou não será cumprida a tempo pelo menos. Para ser justo, a prática do “superfaturar” não é só brasileira. Montreal sabe muito bem disso. O estádio olímpico, que tem teto retrátil, para ter utilidade no inverno e ser multifuncional, consumiu R$ 1,2 bilhão, valor maior do que o previsto. Hoje um dos pontos turísticos da cidade canadense, com sua torre inclinada, já teve como “inquilino” um time de beisebol, e atualmente times de hockey no gelo e futebol americano se revezam para não deixar o estádio abandonado.
Em 2009, quando o Rio de Janeiro candidatou-se para ser a sede dos Jogos de 2016, a estimativa de custo apresentada no dossiê ao COI pelas autoridades brasileiras era de cerca de R$ 29 bilhões. Corrigido pela inflação, hoje o investimento ficaria em torno de R$ 43 bilhões. Em agosto do ano passado, o valor do orçamento oficial revisado pela Autoridade Pública Olímpica (APO) era de R$ 38,7 bilhões, bem inferior ao da Olimpíada de Londres 2012, que consumiu aproximadamente R$ 60 bilhões -- considerada a taxa atual de câmbio entre a libra (moeda inglesa) e o real, que vem se desvalorizando. Vale ressaltar que foi a terceira vez que Londres organizou a Olimpíada. A primeira vez, em 1908, participaram do evento 2 mil atletas de 23 países. Em 1948, 3.700 atletas, de 59 países. Em 2012, foram 10 mil atletas, de mais de 200 países, sem contar milhares de turistas e um exército de jornalistas.
Ao que tudo indica, o valor de R$ 38,7 bilhões, porém, está longe de ser o total a ser gasto por governos e entidades privadas na Rio-2016. A conta apresentada pela APO não considera, por exemplo, a despesa de R$ 62 milhões que a prefeitura carioca terá para mobiliar a vila olímpica – que tem 31 prédios com apartamentos de 2, 3 e 4 dormitórios. Também não inclui a compra de equipamentos esportivos essenciais para os Jogos. Em fevereiro do ano passado, o governo federal anunciou que gastaria R$ 100 milhões com bolas, redes, obstáculos e barcos. Ainda não entraram no orçamento olímpico também os gastos de R$ 14 milhões com a obra de saneamento da Marina da Glória, essencial para as competições de vela, e o pagamento das indenizações a moradores da Vila Autódromo, retirados de suas casas para abrir espaço para a construção do Parque Olímpico. O custo da desapropriação já passa de R$ 80 milhões. Segundo a APO, não há falta de transparência, as contas são dinâmicas e atualizadas conforme a prefeitura e os governos do Estado e federal informam seus gastos com os Jogos. Ou seja, os custos não informados no orçamento hoje podem ser incluídos no futuro. Considerando que a extinção do comitê organizador da Rio 2016 está prevista para 2023, novas despesas podem “surgir “ até lá, mesmo bem depois dos Jogos. Por que tanto tempo? O comitê britânico, por exemplo, foi extinto em 2013, apenas um ano após o encerramento das Olimpíadas.
Em abril passado, o Tribunal de Contas da União (TCU) deu o primeiro sinal de alerta ao estimar em pelo menos R$ 1,8 bilhão um eventual déficit com os Jogos. Caso isso se confirme, a União terá de pagar o rombo, devido ao chamado Ato Olímpico, que foi sancionado pelo governo federal antes de o Rio de Janeiro ser escolhido como sede do megaevento esportivo. O Ato Olímpico são garantias financeiras públicas dadas ao COI, obrigando o país-sede a pagar a conta caso os organizadores dos Jogos façam uma má gestão dos recursos e fechem no vermelho. O Ato Olímpico não colocou limites para eventual estouro nas contas. O orçamento olímpico é, segundo a organização dos Jogos, dividido em três partes: a Matriz de Responsabilidades (lista de obras e projetos essenciais, principalmente em arenas esportivas), o Plano de Legado (lista de obras de infra-estrutura e de melhorias urbanas prometidas para a Olimpíada) e o orçamento do Comitê Organizador Rio-2016 (recursos privados levantados pelo órgão para a organização dos Jogos).
A pergunta que sempre está no ar é: como fazer uma Olimpíada que não seja apenas bem-sucedida durante os dias do evento e deixe de fato um legado de melhorias para os moradores das cidades-sedes, principalmente na área dos transportes e equipamentos esportivos utilizáveis? Londres, seguindo o raro exemplo positivo da Olimpíada de Barcelona 1992, conseguiu um efeito duradouro ao aproveitar os Jogos para revitalizar a zona leste da cidade, com sinais já visíveis naquela região até então esquecida pela administração pública: surgiram novas ruas e avenidas, novas linhas de metrô e trens, novos centros comerciais, a atividade econômica local ganhou vida e beneficiou os moradores do entorno do Parque Olímpico. E, para evitar os “elefantes brancos”, Londres optou por “instalações provisórias” para algumas modalidades. Mas não resolveu, por exemplo, a destinação para uma das obras mais caras do evento: o estádio olímpico, que abrigou as provas de atletismo. Mudou então seu uso. Em 2013, o West Ham, um tradicional time de futebol, ganhou a licitação que lhe dá o direito de usar o estádio por 99 anos.
Embora tenha procurado seguir os passos da Olimpíada de Londres, ainda é uma incógnita o eventual efeito positivo das obras de infra-estrutura para a Rio-2016 na vida dos cariocas. Descartada a despoluição da Baía de Guanabara -- que seria um dos maiores legados para uma cidade “bonita pela natureza”---, resta saber o que de fato ficará além da evidente revitalização da região portuária e das mudanças na região da Barra da Tijuca, onde se dará a maior parte das competições. A venda dos apartamentos da vila olímpica certamente deve beneficiar somente as camadas mais ricas da população. E as obras para melhorar a mobilidade urbana? [Lembrete: Londres, cidade servida por uma extensa malha de metrô, sofreu nas duas semanas do evento. Milhares de londrinos se queixaram “da invasão” de atletas, turistas e jornalistas e preferiram deixar a cidade em “férias forçadas”.] E os bolsões contra enchentes no Rio serão entregues?
A organização dos Jogos do Rio parece ter optado – em relação ao legado esportivo -- na criação do Centro Olímpico de Treinamento (COT). Após o megaevento, todas as instalações permanentes usadas tanto no Pan como na Olimpíada formariam um centro de referência para o treinamento e capacitação de atletas de alto rendimento. Além disso, o chamado Parque Radical, em Deodoro, que receberá competições de ciclismo (BMX e mountain bike) e as provas de canoagem (slalom), passaria a ser um centro de esportes radicais. Sabe-se, porém, que equipamentos olímpicos são construídos para atletas de ponta e por isso exigem manutenção e despesas constantes. Com o país sob o impacto da crise econômica, não estariam esses equipamentos fadados ao esquecimento?
Vale lembrar ainda que a Olimpíada de Atlanta, em 1996, só foi bem-sucedida porque a Coca-Cola, com sede na cidade norte-americana, assumiu o patrocínio do evento. Além da multinacional de bebidas, a participação de outros grandes patrocinadores evitaram os prejuízos. E o Parque Olímpico, erguido numa área degradada de Atlanta, transformou aquele bairro no mais seguro e desenvolvido da cidade. Um time de beisebol herdou estádio olímpico e a Universidade Georgia Tech, o parque aquático. Hoje ninguém se lembra mais do atentado a bomba que matou uma pessoa durante aqueles Jogos, que quase foram interrompidos também pelas graves falhas nos sistemas de ônibus e metrô. O transporte em Atlanta foi caótico, perdia-se muito tempo para se chegar à vila e aos locais das competições.
Há quem acredite que “o jeitinho brasileiro” e “a nossa capacidade de improvisação” impeçam que o Rio de Janeiro -- a primeira cidade da América do Sul a receber os Jogos -- passe a carregar o bastão de “mico olímpico”, que durante décadas foi de Montreal, devido ao tsunami financeiro. Estes são os otimistas – que também acreditam que a imensa visibilidade internacional que os Jogos darão à “cidade maravilhosa” resultará em um significativo aumento do fluxo de turistas estrangeiros depois do evento. Até porque a cidade ganhará novos cartões-postais. Desconfiados, os pessimistas preferem aguardar a realização do evento em si – temendo um colapso no sistema de transporte -- e os números após a Olimpíada, porque “a conta fechar” não é uma questão de fé. Se ficar no vermelho, aquela imagem alegre, de outubro de 2009, dos cariocas festejando nas areias de Copacabana a vitória na escolha da sede da Olimpíada de 2016 pode, então, ter sido apenas o começo de um pesadelo para o Brasil.
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