Rio de Janeiro: "Bonita por natureza", mas sem despoluir a Baía de Guanabara para os Jogos Olímpicos de 2016 |
O fantasma dos prejuízos estratosféricos ronda a Olimpíada do Rio de Janeiro 2016 a poucos meses do início da maior competição esportiva do planeta – cada vez mais complexa devido ao gigantismo do número de participantes e, por isso, cada vez mais cara. Sem dúvida será o maior evento a ser realizado no Brasil, em agosto próximo, justamente em meio a grave crise econômica, com a credibilidade do país em xeque. Canadenses e gregos sabem exatamente o que isso significa.
Montreal, cidade atualmente com 1,5 milhão de habitantes, precisou de 30 anos para pagar a conta dos Jogos Olímpicos de 1976. À época, com apenas 1 milhão de moradores, o desejo de reconquistar o status de metrópole mais importante do Canadá – prestígio perdido para Toronto nos últimos 40 anos -- levou Montreal à disputa pela organização de uma Olimpíada, derrotando cidades poderosas como Los Angeles (EUA) e Moscou (URSS). Em tempo de Guerra Fria, a candidatura da cidade canadense caiu como uma luva para o Comitê Olímpico Internacional (COI). Serviria para aliviar tensões, momentaneamente, e fazer [como de fato fez] o mundo esquecer os Jogos de Munique (1972), marcado pela violência política e pelo terrorismo – o grupo palestino Setembro Negro seqüestrou e matou 11 atletas israelenses dentro da vila olímpica alemã. Mas o fracasso financeiro sem precedentes na história obrigou, no entanto, a prefeitura de Montreal a cobrar dos moradores, por meio de impostos, a dívida de US$ 2,5 bilhões (o equivalente, no câmbio atual, a R$ 10 bilhões), só quitada totalmente em 2008.
Quatro anos antes, em 2004, os Jogos Olímpicos de Atenas, segundo especialistas, serviram para ajudar a corroer economia grega, hoje em colapso. O governo grego investiu então o equivalente hoje a R$ 44 bilhões para sediar os Jogos Olímpicos -- onde eles surgiram e foram realizados pela primeira vez na Era Moderna em 1896. Agora instalações milionárias estão abandonadas e inúteis, como, por exemplo, o parque aquático. Economistas europeus concordam que essa gastança desenfreada contribuiu de forma significativa para a catástrofe econômica que abala a Grécia na atualidade.
Quatro anos antes, em 2004, os Jogos Olímpicos de Atenas, segundo especialistas, serviram para ajudar a corroer economia grega, hoje em colapso. O governo grego investiu então o equivalente hoje a R$ 44 bilhões para sediar os Jogos Olímpicos -- onde eles surgiram e foram realizados pela primeira vez na Era Moderna em 1896. Agora instalações milionárias estão abandonadas e inúteis, como, por exemplo, o parque aquático. Economistas europeus concordam que essa gastança desenfreada contribuiu de forma significativa para a catástrofe econômica que abala a Grécia na atualidade.
Vale a pena ser a sede uma Olimpíada? Olhando friamente o histórico de outras cidades do mundo, mais desenvolvidas e ricas, e que realizaram Olimpíadas, a resposta seria “não”. É uma péssima aposta ao que tudo indica. Por isso, a população brasileira deveria estar mesmo preocupada com a realização, embora agora inevitável, dos Jogos no Rio. Com receio de não conseguir cidades interessadas no megaevento, não é à toa que o Comitê Olímpico Internacional (COI) tem usado com cada vez mais ênfase o argumento do “bom legado”, em infra-estrutura geral e instalações esportivas. Para as populações das cidades-sedes, porém, nem sempre isso tem sido verdade. O custo sempre elevado de uma Olimpíada tem levado cidades como Boston e até duas ex-sedes olímpicas, Roma e Estocolmo, a desistir de candidaturas, por entenderem que há outras prioridades locais.
No caso brasileiro, mais recente, aparecem os Jogos Pan-Americanos de 2007, ocorridos com certa tranqüilidade também no Rio, o que abriu as portas para a candidatura olímpica vitoriosa. Algumas das instalações esportivas daquele evento, porém, sequer servirão para a Olimpíada e o custo final do Pan, em torno de R$ 5 bilhões, ficou cinco vezes superior ao previsto. Basta lembrar ainda a Copa do Mundo de 2014, a segunda competição do gênero promovida pelo Brasil, que -- embora tenha servido de forma inegável para a modernização dos estádios -- deixou muito mais do que o “vexame do Mineirão” como legado. Foram investidos cerca de R$ 27 bilhões, segundo o balanço oficial apresentado pelo governo federal após a Copa, e ficaram pelo menos três “elefantes brancos”, inviáveis economicamente: as arenas de Manaus e Cuiabá, onde o futebol mal subsiste, e o estádio nacional de Brasília. Os três estádios só enchem quando times populares de São Paulo e Rio jogam pelo Campeonato Brasileiro ou em amistosos e partidas oficiais da seleção brasileira – ou ainda em eventuais espetáculos musicais.
Na Olimpíada do Rio, estima-se oficialmente que o Brasil investirá pelo menos cerca de R$ 43 bilhões, mas o impacto final nas finanças do país ainda é um mistério – e o gasto pode ser bem maior. Vale lembrar que só as ampliações e melhorias do Aeroporto Internacional Tom Jobim, o Galeão, de custos iniciais previstos da ordem de R$ 80 milhões já viram sua previsão de gastos subir para quase R$ 100 milhões – reajuste provocado inclusive pelos atrasos [intencionais?] das obras. Atrasar obras públicas e rever prazos são maneiras de elevar custos muito praticadas pelas construtoras no país – sem falar em custos mais baixos apresentados em projetos, seguidos por superfaturamentos durante as construções, que exigem aditamentos de recursos. Além disso, embora necessária, a ambiciosa promessa de despoluição da Baía de Guanabara não sairá do papel -- ou não será cumprida a tempo pelo menos. Para ser justo, a prática do “superfaturar” não é só brasileira. Montreal sabe muito bem disso. O estádio olímpico, que tem teto retrátil, para ter utilidade no inverno e ser multifuncional, consumiu R$ 1,2 bilhão, valor maior do que o previsto. Hoje um dos pontos turísticos da cidade canadense, com sua torre inclinada, já teve como “inquilino” um time de beisebol, e atualmente times de hockey no gelo e futebol americano se revezam para não deixar o estádio abandonado.
Em 2009, quando o Rio de Janeiro candidatou-se para ser a sede dos Jogos de 2016, a estimativa de custo apresentada no dossiê ao COI pelas autoridades brasileiras era de cerca de R$ 29 bilhões. Corrigido pela inflação, hoje o investimento ficaria em torno de R$ 43 bilhões. Em agosto do ano passado, o valor do orçamento oficial revisado pela Autoridade Pública Olímpica (APO) era de R$ 38,7 bilhões, bem inferior ao da Olimpíada de Londres 2012, que consumiu aproximadamente R$ 60 bilhões -- considerada a taxa atual de câmbio entre a libra (moeda inglesa) e o real, que vem se desvalorizando. Vale ressaltar que foi a terceira vez que Londres organizou a Olimpíada. A primeira vez, em 1908, participaram do evento 2 mil atletas de 23 países. Em 1948, 3.700 atletas, de 59 países. Em 2012, foram 10 mil atletas, de mais de 200 países, sem contar milhares de turistas e um exército de jornalistas.
Ao que tudo indica, o valor de R$ 38,7 bilhões, porém, está longe de ser o total a ser gasto por governos e entidades privadas na Rio-2016. A conta apresentada pela APO não considera, por exemplo, a despesa de R$ 62 milhões que a prefeitura carioca terá para mobiliar a vila olímpica – que tem 31 prédios com apartamentos de 2, 3 e 4 dormitórios. Também não inclui a compra de equipamentos esportivos essenciais para os Jogos. Em fevereiro do ano passado, o governo federal anunciou que gastaria R$ 100 milhões com bolas, redes, obstáculos e barcos. Ainda não entraram no orçamento olímpico também os gastos de R$ 14 milhões com a obra de saneamento da Marina da Glória, essencial para as competições de vela, e o pagamento das indenizações a moradores da Vila Autódromo, retirados de suas casas para abrir espaço para a construção do Parque Olímpico. O custo da desapropriação já passa de R$ 80 milhões. Segundo a APO, não há falta de transparência, as contas são dinâmicas e atualizadas conforme a prefeitura e os governos do Estado e federal informam seus gastos com os Jogos. Ou seja, os custos não informados no orçamento hoje podem ser incluídos no futuro. Considerando que a extinção do comitê organizador da Rio 2016 está prevista para 2023, novas despesas podem “surgir “ até lá, mesmo bem depois dos Jogos. Por que tanto tempo? O comitê britânico, por exemplo, foi extinto em 2013, apenas um ano após o encerramento das Olimpíadas.
Em abril passado, o Tribunal de Contas da União (TCU) deu o primeiro sinal de alerta ao estimar em pelo menos R$ 1,8 bilhão um eventual déficit com os Jogos. Caso isso se confirme, a União terá de pagar o rombo, devido ao chamado Ato Olímpico, que foi sancionado pelo governo federal antes de o Rio de Janeiro ser escolhido como sede do megaevento esportivo. O Ato Olímpico são garantias financeiras públicas dadas ao COI, obrigando o país-sede a pagar a conta caso os organizadores dos Jogos façam uma má gestão dos recursos e fechem no vermelho. O Ato Olímpico não colocou limites para eventual estouro nas contas. O orçamento olímpico é, segundo a organização dos Jogos, dividido em três partes: a Matriz de Responsabilidades (lista de obras e projetos essenciais, principalmente em arenas esportivas), o Plano de Legado (lista de obras de infra-estrutura e de melhorias urbanas prometidas para a Olimpíada) e o orçamento do Comitê Organizador Rio-2016 (recursos privados levantados pelo órgão para a organização dos Jogos).
A pergunta que sempre está no ar é: como fazer uma Olimpíada que não seja apenas bem-sucedida durante os dias do evento e deixe de fato um legado de melhorias para os moradores das cidades-sedes, principalmente na área dos transportes e equipamentos esportivos utilizáveis? Londres, seguindo o raro exemplo positivo da Olimpíada de Barcelona 1992, conseguiu um efeito duradouro ao aproveitar os Jogos para revitalizar a zona leste da cidade, com sinais já visíveis naquela região até então esquecida pela administração pública: surgiram novas ruas e avenidas, novas linhas de metrô e trens, novos centros comerciais, a atividade econômica local ganhou vida e beneficiou os moradores do entorno do Parque Olímpico. E, para evitar os “elefantes brancos”, Londres optou por “instalações provisórias” para algumas modalidades. Mas não resolveu, por exemplo, a destinação para uma das obras mais caras do evento: o estádio olímpico, que abrigou as provas de atletismo. Mudou então seu uso. Em 2013, o West Ham, um tradicional time de futebol, ganhou a licitação que lhe dá o direito de usar o estádio por 99 anos.
Embora tenha procurado seguir os passos da Olimpíada de Londres, ainda é uma incógnita o eventual efeito positivo das obras de infra-estrutura para a Rio-2016 na vida dos cariocas. Descartada a despoluição da Baía de Guanabara -- que seria um dos maiores legados para uma cidade “bonita pela natureza”---, resta saber o que de fato ficará além da evidente revitalização da região portuária e das mudanças na região da Barra da Tijuca, onde se dará a maior parte das competições. A venda dos apartamentos da vila olímpica certamente deve beneficiar somente as camadas mais ricas da população. E as obras para melhorar a mobilidade urbana? [Lembrete: Londres, cidade servida por uma extensa malha de metrô, sofreu nas duas semanas do evento. Milhares de londrinos se queixaram “da invasão” de atletas, turistas e jornalistas e preferiram deixar a cidade em “férias forçadas”.] E os bolsões contra enchentes no Rio serão entregues?
A organização dos Jogos do Rio parece ter optado – em relação ao legado esportivo -- na criação do Centro Olímpico de Treinamento (COT). Após o megaevento, todas as instalações permanentes usadas tanto no Pan como na Olimpíada formariam um centro de referência para o treinamento e capacitação de atletas de alto rendimento. Além disso, o chamado Parque Radical, em Deodoro, que receberá competições de ciclismo (BMX e mountain bike) e as provas de canoagem (slalom), passaria a ser um centro de esportes radicais. Sabe-se, porém, que equipamentos olímpicos são construídos para atletas de ponta e por isso exigem manutenção e despesas constantes. Com o país sob o impacto da crise econômica, não estariam esses equipamentos fadados ao esquecimento?
Vale lembrar ainda que a Olimpíada de Atlanta, em 1996, só foi bem-sucedida porque a Coca-Cola, com sede na cidade norte-americana, assumiu o patrocínio do evento. Além da multinacional de bebidas, a participação de outros grandes patrocinadores evitaram os prejuízos. E o Parque Olímpico, erguido numa área degradada de Atlanta, transformou aquele bairro no mais seguro e desenvolvido da cidade. Um time de beisebol herdou estádio olímpico e a Universidade Georgia Tech, o parque aquático. Hoje ninguém se lembra mais do atentado a bomba que matou uma pessoa durante aqueles Jogos, que quase foram interrompidos também pelas graves falhas nos sistemas de ônibus e metrô. O transporte em Atlanta foi caótico, perdia-se muito tempo para se chegar à vila e aos locais das competições.
Há quem acredite que “o jeitinho brasileiro” e “a nossa capacidade de improvisação” impeçam que o Rio de Janeiro -- a primeira cidade da América do Sul a receber os Jogos -- passe a carregar o bastão de “mico olímpico”, que durante décadas foi de Montreal, devido ao tsunami financeiro. Estes são os otimistas – que também acreditam que a imensa visibilidade internacional que os Jogos darão à “cidade maravilhosa” resultará em um significativo aumento do fluxo de turistas estrangeiros depois do evento. Até porque a cidade ganhará novos cartões-postais. Desconfiados, os pessimistas preferem aguardar a realização do evento em si – temendo um colapso no sistema de transporte -- e os números após a Olimpíada, porque “a conta fechar” não é uma questão de fé. Se ficar no vermelho, aquela imagem alegre, de outubro de 2009, dos cariocas festejando nas areias de Copacabana a vitória na escolha da sede da Olimpíada de 2016 pode, então, ter sido apenas o começo de um pesadelo para o Brasil.
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