Abu, escondido em maleta com rodinhas
Acordo, às 4h40, alta madrugada, fustigado pelo pesadelo. Sei lá por que dormindo vivia, como se fossem minhas, as emoções da saga trágica de milhares de imigrantes negros africanos que tentam atravessar o mar Mediterrâneo em busca da “salvação” no continente branco da União Européia. A maioria foge da fome e da falta de perspectiva em embarcações frágeis, lotadas por homens, mulheres e crianças [todos sedentos e famintos]. Centenas deles morrem afogados em naufrágios óbvios, previsíveis, logo após deixar a costa da Líbia ou, pior, a poucos quilômetros do tão sonhado solo europeu, às vezes minutos antes de o bote clandestino ser resgatado por uma guarda costeira qualquer do Primeiro Mundo. Os jornais já pouco falam, mas o Mediterrâneo é o novo mar vermelho, tingido pelo sangue dos imigrantes ilegais.
Para inibir essa onda gigante de miseráveis que ruma para o Velho Continente, as autoridades européias passaram a defender ataques diretos aos novos navios negreiros. A rigor, são ações militares autorizadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), com apoio de atiradores em helicópteros. O plano de líderes europeus para enfrentar o grave problema da imigração ilegal mal disfarça um provável banho de sangue -- quando poderão ser vistos dezenas de corpos de imigrantes clandestinos boiando nas águas do norte da África. Alguém acredita que os barcos dos traficantes de gente não tentariam todo tipo de manobras para escapar?
“Terra à vista!”, pode-se dizer, é a exclamação que simbolizou o pontapé inicial dado há 500 anos à chamada Era do Descobrimento, período em que os europeus ocuparam novas terras, dizimaram outras civilizações, devastaram florestas (levando quase à extinção, por exemplo, a árvore que batizou o Brasil), saquearam riquezas naturais. E fizeram tudo isso por meio da escravidão, usando mão de obra negra, acorrentada nos porões das caravelas e trazida da África para a América. Mas a diáspora negra promovida pela colonização deixou sequelas e consequências até hoje.
"Terra à vista” poderia ser a exclamação de esperança para milhares de africanos que tentam chegar à Europa atualmente. Mas a mais recente onda de imigração mostra que a União Europeia enfrenta um desafio sem precedentes. E não há cama para tanta gente. Quase 57.300 imigrantes ilegais chegaram no primeiro trimestre de 2015, número três vezes superior ao registrado no mesmo período de 2014, ano em que foram quebrados todos os recordes, inclusive os atingidos durante as “primaveras árabes” -- quando vários ditadores foram derrubados por revoltas populares. Simplesmente deter os barcos de imigrantes não acaba com o problema. Para complicar, a ascensão de partidos contrários à imigração se espalha não só pela Europa rica (Grã-Bretanha, França e Alemanha). A Bulgária, por exemplo, quer construir um muro de 150 quilômetros de extensão para conter a imigração vinda da Turquia.
O caso do menino Abou, ocorrido há uma semana, parece ser o retrato emblemático do problema migratório europeu. Natural da Costa do Marfim, o garoto, de 8 anos (foto acima), foi encontrado por agentes da Guarda Civil espanhola dentro de uma mala de rodinhas no posto de fronteira de Tarajal, entre o Marrocos e Ceuta, norte da África. Abou era levado por uma jovem marroquina que tentava entrar a pé no território espanhol. Ela foi detida. Uma hora depois, o pai do menino, de 42 anos, que tem visto de residência espanhol e mora nas Ilhas Canárias, foi preso. Ele é acusado de tráfico humano: teria pago à marroquina para trazer ilegalmente seu filho para a Espanha. A "mala do desespero", inédita para a polícia de fronteira, não tinha furos para o garoto respirar.
Os números estão na mídia e fazem qualquer mortal perder o sono. Hoje, 56,1 milhões de estrangeiros vivem no continente europeu, 7,7% da sua população, incluindo 9,2 milhões de refugiados. Documento da ONU diz que o tráfico de pessoas, entre 600 mil e 800 mil por ano, virou um negócio muito rentável, proporcionando 8,2 bilhões de euros anuais aos traficantes. Vou tentar voltar a dormir.
Para inibir essa onda gigante de miseráveis que ruma para o Velho Continente, as autoridades européias passaram a defender ataques diretos aos novos navios negreiros. A rigor, são ações militares autorizadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), com apoio de atiradores em helicópteros. O plano de líderes europeus para enfrentar o grave problema da imigração ilegal mal disfarça um provável banho de sangue -- quando poderão ser vistos dezenas de corpos de imigrantes clandestinos boiando nas águas do norte da África. Alguém acredita que os barcos dos traficantes de gente não tentariam todo tipo de manobras para escapar?
“Terra à vista!”, pode-se dizer, é a exclamação que simbolizou o pontapé inicial dado há 500 anos à chamada Era do Descobrimento, período em que os europeus ocuparam novas terras, dizimaram outras civilizações, devastaram florestas (levando quase à extinção, por exemplo, a árvore que batizou o Brasil), saquearam riquezas naturais. E fizeram tudo isso por meio da escravidão, usando mão de obra negra, acorrentada nos porões das caravelas e trazida da África para a América. Mas a diáspora negra promovida pela colonização deixou sequelas e consequências até hoje.
"Terra à vista” poderia ser a exclamação de esperança para milhares de africanos que tentam chegar à Europa atualmente. Mas a mais recente onda de imigração mostra que a União Europeia enfrenta um desafio sem precedentes. E não há cama para tanta gente. Quase 57.300 imigrantes ilegais chegaram no primeiro trimestre de 2015, número três vezes superior ao registrado no mesmo período de 2014, ano em que foram quebrados todos os recordes, inclusive os atingidos durante as “primaveras árabes” -- quando vários ditadores foram derrubados por revoltas populares. Simplesmente deter os barcos de imigrantes não acaba com o problema. Para complicar, a ascensão de partidos contrários à imigração se espalha não só pela Europa rica (Grã-Bretanha, França e Alemanha). A Bulgária, por exemplo, quer construir um muro de 150 quilômetros de extensão para conter a imigração vinda da Turquia.
O caso do menino Abou, ocorrido há uma semana, parece ser o retrato emblemático do problema migratório europeu. Natural da Costa do Marfim, o garoto, de 8 anos (foto acima), foi encontrado por agentes da Guarda Civil espanhola dentro de uma mala de rodinhas no posto de fronteira de Tarajal, entre o Marrocos e Ceuta, norte da África. Abou era levado por uma jovem marroquina que tentava entrar a pé no território espanhol. Ela foi detida. Uma hora depois, o pai do menino, de 42 anos, que tem visto de residência espanhol e mora nas Ilhas Canárias, foi preso. Ele é acusado de tráfico humano: teria pago à marroquina para trazer ilegalmente seu filho para a Espanha. A "mala do desespero", inédita para a polícia de fronteira, não tinha furos para o garoto respirar.
Os números estão na mídia e fazem qualquer mortal perder o sono. Hoje, 56,1 milhões de estrangeiros vivem no continente europeu, 7,7% da sua população, incluindo 9,2 milhões de refugiados. Documento da ONU diz que o tráfico de pessoas, entre 600 mil e 800 mil por ano, virou um negócio muito rentável, proporcionando 8,2 bilhões de euros anuais aos traficantes. Vou tentar voltar a dormir.
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