2006: crianças revistadas no Morro Dona Marta
[versão atualizada]
O que é isso? pergunta um policial militar. "Balas 7 Belo", dispara o menino. O que é isso? "Uma pistola de água", explica outro garoto. O que há dentro desse estojo? "Só lápis de cor", exibe uma menina. Ok, estão todos liberados. O diálogo é inventado, mas "a geral" dada, por soldados armados com fuzis, em crianças de até 10 anos a caminho da escola aconteceu. A fotografia [acima] foi tirada em 2006 na entrada da favela no Morro Dona Marta, em Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro, onde as crianças aprendem desde bem cedo a lidar com as blitze. Ali, aprender o alfabeto é tão importante para as crianças quanto saber ficar comportado e em pé contra a parede -- mãos para cima e pernas abertas -- para serem revistadas.
A imagem é chocante, reveladora da distorção no cotidiano carioca para olhos distantes. Ao vivo, é repugnante ver crianças tratadas como suspeitas de crime, O que será que se passou na cabeça delas, submetidas a tal humilhação? Não, você não está me entendendo, é que os traficantes usam meninos e meninas -- chamados de "aviões" -- para vender drogas [sim, onde o Estado não comparece o tráfico se estabelece]. Não, não, é você que não está me entendendo! Essa justificativa não para em pé [nos bairros de classe média há venda de drogas, mas a polícia não "dá uma geral" na porta das escolas -- nem nas redondezas. Muito menos em crianças de até 10 anos].
4 de abril de 2015 - Moradores do Complexo do Alemão, aglomerado de 15 favelas na zona norte do Rio, protestam contra a violência e pedem paz, após a morte do estudante Eduardo de Jesus Ferreira, de 10 anos, e de outras três pessoas naquela semana. Eles caminham pela Estrada do Itararé, umas das principais vias do Complexo do Alemão e pedem o fim da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na comunidade. Policiais são acusados de matar o menino e as outras três pessoas em tiroteios com traficantes.
"Eu marquei a cara dele. Nunca vou esquecer o rosto do PM que matou meu filho. Quando corri para falar com ele, ele apontou a arma para mim. Falei,‘pode me matar, você já acabou com a minha vida"'
Terezinha Maria de Jesus, mãe do garoto Eduardo, que morreu na porta de casa, baleado por um PM
28 de maio de 2015 - Depois de quase sete anos sem tiroteios e sem registros de homicídios, a comunidade do Morro Dona Marta viveu uma noite de intenso tiroteio entre traficantes e policiais, nas proximidades do Beco do Jabuti. Foram apreendidas drogas e armas. Foi no Dona Marta [na favela da "blitz infantil"] que ocorreu, em 19 de dezembro de 2008, a instalação da primeira UPP no Rio, a ideia de uma polícia parceira e amiga da comunidade.
As UPPs já foram tidas como um exemplo de ação bem-sucedida de "esvaziamento" do poder do tráfico nas favelas. O que mudou de 2008 para 2015? É o fim das UPPs?
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