domingo, 21 de julho de 2013

PAPEL DE BOBO E OUTROS PAPÉIS




       Antigamente o mundo era de papel. Era papel pra cá papel pra lá. Papel para ler notícias, papel para ler histórias, o casamento era só de papel passado, a multa era só de papel, havia muito mais burocracia para se tirar um papel, eram pedidos muitos papéis para "incentivar" as pessoas a usarem dinheiro (outro papel) pra acelerar a papelada. O dinheiro, aliás, é um papel tão valorizado que, como diz uma música, não só "ergue e destrói coisas belas", é capaz de transformar corações e mentes das pessoas: o que era bom vira ruim, o que era leve fica pesado, o que era alegre fica triste, o que era generoso vira avarento, o que era franco vira dissimulado, o que era claro vira sombrio, o que era verdadeiro vira falso. E por aí vai.
      
        Por que falar de papel? Por que o e-mail está matando (ou já matou?) o papel. O papel do bem, para ser bem claro. Quem ainda recebe hoje, pelo correio, cartas de amigos, parentes, amantes, namorados...? Lembro-me até hoje de um cartão-postal que recebi de uma paixão adolescente que estava passeando em Paris, sim aquela cidade dos sonhos, eu era estudante de filosofia e capital francesa ainda era nos anos 70 a cidade-luz, do conhecimento e da cultura. O nome dela? Agora não vem ao caso. Loira com leves sardas no rosto, por quem eu nutria um amor platônico na universidade, tamanha era minha timidez. O cartão-postal estampava de um lado a reprodução do cartaz do filme romântico. Do outro, aquele papel inesperado trazia uma boa nova. Ela pensara em mim, o que no vigor dos meus 20 anos atiçou e muito meus desejos mais primitivos. Ela até havia desenhado, à caneta, uma caricatura exacerbando meu farto cabelo "black power". Lembro-me também de ter recebido depois, pelos correios, outras duas mensagens fortes, por carta. Eram de outra garota, avançadinha, que fazia faculdade de jornalismo, elogiando os beijos que experimentamos embriagados em um bar. Ela me cobrava de modo, diria, no mínimo ardido, uma continuidade e falava de forma agressiva [em três folhas daquele papel fino de carta] de meus supostos (?) medos. Destilava sua raiva. Falando de minha covardia queria, na verdade, me encher de coragem.
        
        Mas por que afinal falar de papel? Porque hoje em papel só chega notícia ruim: contas a pagar, uma atrás da outra. Luz água condomínio telefone plano de saúde caro extrato bancário, assim mesmo sem vírgula. É verdade, chegam também outros papéis, de pizzaria, mais pizzaria, outra pizzaria, restaurante chinês, pizzaria, restaurante japonês, agora tudo com vírgula, pelo menos tenho a chance de jogar esses papéis fora.
     
         Outro dia porém, das contas a pagar, contrariando minhas expectativas, não chegou em papel a do seguro do carro. A realidade veio por e-mail. Papel pra quê? Veio pela rede, a corretora enviara cotações de várias empresas. O valor era estratosférico em todas, o mais baixo significava subir de 100% de um ano pra outro, para um carro com três anos de uso. Roubo fraude inflação nada explica sem vírgula isso. [E não há passeata contra a alta do seguro, porque carro agora é vilão no (in)sustentável mundo moderno.] Tive de aceitar e fazer papel de bobo, escutando da corretora, por telefone, explicações inexplicáveis, mentiras em cascata. A outra opção seria vender o carro.

       Pensei, não há mesmo como fugir, tenho que abrir a cada dia a caixa de correio, de lata. Lá onde só bate notícia ruim. Nenhum cartão-postal. Para alguns, ainda vem o jornal de papel, com escassas notícias boas em meio a um mar de notícias ruins. E o e-mail? É novo, rápido, limpo, mas já está obsoleto. E por ele não chegam sonhos como os de antigamente. Inesperados. Amorosos. Importantes. Agora o negócio é chat, bate-papo ao vivo, pancada, direto, sem (ou com) imaginação. Por e-mail aparecem comedidamente algumas mensagens de amigos e parentes. Mas já proliferam contas. Minha caixa-postal virtual fica cheia de propaganda, que preciso apagar toda hora, fazendo papel (olha o papel de novo) de palhaço.

       Ainda espero uma carta em papel ou um cartão-postal...

[Se gostou, compartilhe ou dê "share"]

3 comentários:

  1. Temus fugit.... Mas...Dona Guaraldo me enviou mandou uma foto dela de uma das estadias dela em Paris, que guardo até hoje... Hojke ela é professora de Filo numa cidade no litoral paulista e faz doutorado em educação numa facul particular... Ari

    ResponderExcluir
  2. Errata: Tempus...hoje...quanto à dona Cláudia...será que é a mesma? Hum....

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Não é a mesma... foi em outra faculdade

      Excluir