quarta-feira, 17 de julho de 2013

UM DIÁLOGO SOBRE A CULPA

 A jornalista Sandra Muraki postou  no Facebook




"Eu não fui fã do Cazuza, não acompanhei sua carreira. Gostava de algumas músicas dele, não pelas letras engajadas, mas pela melodia. Simples assim. Quando vejo notícias de gente sendo crucificada pela imprensa ou pela opinião pública sem que o suposto “problema” (acusação de qualquer tipo de crime ou conduta imprópria ou doença ou qualquer outra coisa do gênero) seja claro, me lembro dele. Não estou me referindo a nenhum caso específico na atualidade, só me deu na telha isso agora. No finalzinho de sua doença, lá pelos idos de 1988/89, eu trabalhava na Primeira Página do jornal e o caso da doença do Cazuza era tema de curiosidade e sensacionalismo. Ainda pouco se falava de Aids, a doença era tratada como um estigma e muitos a ela se referiam como “peste gay”, tudo isso fruto do desconhecimento, do medo e do preconceito. Várias vezes, Cazuza foi levado por sua família para temporadas de tratamento em Boston. Nessas ocasiões, o jornal acionava seu correspondente em Nova York para “caçar” Cazuza e tentar entrevistá-lo. Um fotógrafo ao estilo “paparazzo” perseguia o cantor pelas ruas. Cazuza, magrinho, debilitado, fugia, tentava se preservar. E nós, na Redação, fazíamos chamadas um tanto quanto sensacionalistas, mostrando essa triste situação, com fotografias em cineminha mostrando a fuga do cantor. Lembrando hoje, sinto muita tristeza de ter participado disso, do quanto fomos desrespeitosos com Cazuza, com sua enorme dor física e espiritual. E até hoje ainda vemos casos em que a imprensa passa por cima dos compromissos éticos, humanitários, e abraça o sensacionalismo que vende jornais. Por isso, “eu preciso dizer que te amo”, Cazuza."


Meu comentário

Nunca fui fã do Cazuza, mas gostava de algumas de suas músicas, que viraram hinos de uma época do fim e do pós-ditadura. Era o tempo da Nova República, e as mazelas de nosso país já apareciam mais na TV e nos jornais, a nova democracia expunha nossas fraquezas, nossa miséria, sem que tivéssemos a quem acusar. Os milicos já estavam só nos quartéis. Mas a trabalho pela Folha, depois de enviar uma reportagem, vi um show de Cazuza em Salvador, na Bahia, no Teatro Castro Alves. Ele já estava bem "baleado", interrompeu o show várias vezes, e acho que eu estava ali fazendo uma homenagem, por sua luta solitária e digna contra uma doença que naquela época matava, que era quase um palavrão impronunciável, um martírio que promovia o preconceito. Acho que, inconscientemente, fui dizer adeus para um sujeito que assumiu a doença em 1989, um ano antes de morrer. Curiosamente, depois de sua morte, a prefeita Erundina deu o nome do cantor a uma praça num morro da Vila Beatriz: E eu cobri a inauguração, que teve a presença da mãe de Cazuza... Passei outro dia lá, e a praça estava abandonada, só mato.

PS - Sandra, sei como é, tenho outros incômodos incuráveis também. Vira e mexe eles reaparecem nos pensamentos e tento encontrar uma justificativa para aliviar uma ação ou omissão da qual tenho vergonha...

[Se gostou, compartilhe ou dê "share"]

Um comentário:

  1. Eita, tomou coragem, é? Obrigada por fazer constar meu textinho deste rico espaço. E como eu disse lá, George, é melhor ter vergonha do que ignorar.Sinal de que aí bate um coração e dos bons. Beijo! Sandra

    ResponderExcluir