sexta-feira, 9 de setembro de 2016

DE MÃOS DADAS


         Ele caminhava pelos corredores de um shopping, ao lado do filho, rumo à praça de alimentação. E num gesto natural pegou a mão do garoto. E o menino segurou firme na trança de dedos. Um leve sorriso, uma troca de olhares. Há uma satisfação inexplicável, um certo de orgulho, no ato de dar as mãos. Este é meu pai, este é meu filho. Foi aí que ele pensou nela, de novo. Onde estarão suas mãos agora? Lembrou-se dos dedos daquela mulher tocando suavemente em seus braços. Nossa, aquilo era como uma luva macia de pelica enquanto ele dirigia o carro ou quando estavam sentados à mesa em algum restaurante. Um turbilhão de coisas veio-lhe à cabeça. Ai, que vontade de andar de mãos dadas com ela outra vez.

         Dar as mãos e caminhar juntos pode parecer banal, mas talvez seja o mais cristalino sinal de amor. Mais que o beijo, um prazer físico intenso, um frisson de olhos fechados que faz voar e sonhar. Diferente, dar as mãos e caminhar é uma quase imperceptível massagem nos dedos, causa frisson de olhos abertos e coloca os pés no chão [afinal, se sonhar é bom, viver cada dia e avançar é muito melhor]. Andar de mãos dadas é pisar nos astros distraído, como diz a letra da música mutante "Chão de Estrelas". Sim, também é um sinal de união [não de unidade, muito menos um desfile de posse].  Ele, imaginando a cena, e o garoto rumam com os dedos trançados, tranquilos, à praça de alimentação. Ai, que vontade de andar de mãos dadas com ela outra vez.

         Ele leu em algum lugar que estudos científicos feitos com o uso de ressonância magnética detectaram no cérebro uma maior redução do estresse quando se anda de mãos dadas com a pessoa amada. Onde está ela, então? Ele está chateado. Triste. Onde estão as mãos dela para aliviar tudo, repor a paz e a alegria incontida, acabar com essa angústia? Se andar de mãos dadas simboliza confiança, respeito e cumplicidade --o que sentem um pelo outro--, por que não dar as mãos e um passo atrás? A vida é curta, curtíssima, por que ser um exterminador do futuro, se a conta amorosa fecha no azul? Por que acreditar, como um profeta do apocalipse, no catastrófico "ah, não vai dar certo!", e decretar antecipadamente, com a (im)precisão dos horóscopos, o fim de um amor possível? Enquanto perguntava a si mesmo, ele caminhava com o filho, mãos dadas, rumo à praça de alimentação. Ai, que vontade de andar de mãos dadas com ela outra vez.

         Vagamente, muito vagamente, mas ele ainda sente o encaixe das palmas. Durante passeios de mãos dadas quantas vezes construíram castelos iluminados em ruas escuras, viajaram no tempo a mil quilômetros por hora em calçadões de uma avenida engarrafada e entupida de gente, ou cavalgaram nos céus ao colocar apenas os pés na areia, ou nadaram em rios transparentes quando as dificuldades pareciam deixar tudo turvo, quantas vezes entraram em temidas cavernas e acharam luz no fim do túnel, quantas vezes de mãos dadas saíram de becos sem saída, quantas vezes tocaram trombetas para afugentar a inveja alheia, ou beberam e cantaram sozinhos, com amigos ou parentes músicas para festejar "em boa companhia". Ele e o filho ainda caminham, mas estão bem perto da praça da alimentação. De mãos dadas, por quantas vitrines insensíveis eles passaram!? Ai, que vontade de andar de mãos dadas com ela outra vez.

       Há quanto tempo ela não lhe dá as mãos? Imagina. O convite é simples: vamos passear de mãos dadas? Mesmo que seja o último passeio, ou penúltimo, por que não antepenúltimo, ou ainda o primeiro de um novo tempo. Eles chegaram enfim à praça da alimentação, de mãos dadas. Ai, que vontade de andar de mãos dadas com ela outra vez.
   
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