sexta-feira, 2 de setembro de 2016

O VIL METAL


            As moedas são frias, pequenas, de baixo valor unitário, mas poderosas -- como um espelho côncavo que concentra a luz e revela com clareza pendores da alma humana, alguns deles inconfessáveis. As moedas são como um falso vulcão que jorra as lavas da realidade sobre as pessoas. As moedas são cruéis: elas têm a capacidade de humilhar, de jogar na sarjeta a autoestima de quem está sem um tostão no bolso ou apenas faltando uma pratinha para pegar a condução. Você já pediu uma moedinha na rua? Se tiver coragem, peça e veja o que acontece. Conte quantos "nãos" irá ouvir, quantos olhares estranhos irão feri-lo. Se for jovem e aparentemente saudável, então, não estranhe um "sai pra lá, vagabundo!". Se for idoso ou maltrapilho, enfim...

            Bem cedo, na adolescência, por volta dos 14 anos de idade, senti na própria pele essa terrível sensação de "inexistência", ao voltar de um show de música no centro da cidade. No ponto do ônibus, percebi a falta de 30 centavos para completar a passagem. Demorei um bom tempo para tomar a decisão de apelar a alguém. Não por orgulho, mas justamente por medo das reações. Sim, é difícil, "vergonhoso", se aproximar para pedir uma  "esmola" [putz, por que comprei aquele saco de pipoca?]. Então, vencido o "dilema do vexame", eu me dirigi a um senhor bem vestido, e dei-lhe uma ligeira explicação sobre minha necessidade. Ele me olhou de alto a baixo, não pareceu acreditar na minha história e sumariamente me disse: "Não tenho!". Voltei cabisbaixo para a mureta. Mas percebi que ele me observava à distância, enquanto eu revirava de novo os bolsos da calça. Falava baixinho comigo mesmo, resmungava, reclamava com os deuses e alguns minutos se passaram. Eu já calculava quanto tempo levaria para chegar em casa a pé quando, de repente, o homem apareceu diante de mim com as moedas que faltavam. Agradeci até a última geração do sujeito, saí rindo e pulei dentro de um ônibus. 

            Outro dia, uma amiga contou, pela internet, um episódio que testemunhou na fila do bilhete do metrô. Uma moça deixava qualquer pessoa passar à sua frente, enquanto caçava moedas na bolsa. O tempo passava e ela permanecia ali fuçando. Então, ela se aproximou e perguntou se precisava de dinheiro para inteirar a tarifa. Envergonhada, ela disse: 20 centavos. Recebeu uma moeda de 25 e, com os olhos molhados, agradeceu enquanto tentava devolver os 5 centavos "de troco". Cena terrível. 

           Embora incomum, as moedas podem ter o lado caloroso. Por exemplo, um incidente dentro de uma padaria mostrou as duas faces de uma mesma moeda: levando um porta-níquel para facilitar o troco, uma amiga tomou um esbarrão na fila do pão. Sequer ouviu um pedido de desculpas e, pior, viu dezenas de moedas se espalharem pelo chão. Enquanto a moça que causou o estrago seguia seu trajeto indiferente [negando o ditado que diz que a boa educação é moeda de ouro em qualquer lugar], um atendente saiu ligeiro detrás do balcão e, ajoelhado, ajudou minha amiga a recolhê-las: "Não se pode desperdiçar. Minha mãe juntava todas em um pratinho e sempre que a gente estava em apuros tinha o pratinho em cima da geladeira pra nos salvar", revelou o gentil funcionário. 

         Dependendo do uso, as moedas podem ainda significar algo mais pesado no dia-a-dia: quem não se lembra da chuva de moedas que caiu sobre os jogadores da seleção peruana de futebol ao chegarem no aeroporto de Lima, após a estranha goleada sofrida contra a Argentina na Copa do Mundo de 1978? A acusação é de que o jogo tinha sido vendido -- o que rende até hoje discussões. Eu não tenho a menor dúvida de que a ditadura militar argentina precisava daquele "circo".

        Já a palavra "moeda", do latim moneta, deusa da mitologia romana, também ganha novos sentidos quando deixa de ser substantivo e passa a ser utilizada como adjetivo. A expressão "vou pagar na mesma moeda" é dita geralmente´por quem é bem recebido em determinado lugar e espera ser visitado por seu bom anfitrião em breve -- quando então lhe será dado tratamento semelhante ou melhor. Alguém [não me recordo quem, neste momento] já afirmou que o tempo é a moeda da vida, a única que nós temos e que só nós devemos determinar como ela será gasta. Ou seja, fique atento para não permitir que outras pessoas a gastem por você. Curiosamente, a palavra moeda [o vil metal] já foi usada na literatura para dar significado a sentimentos: "O amor é a única paixão que se paga com uma moeda que ela mesma fabrica"', segundo Stendhal, famoso escritor francês do século 19.

        Eu ainda acho que o escritor espanhol Francisco de Quevedo acertou ao comparar palavras a moedas: "Uma pode valer por muitas e muitas não valer por uma!"

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