domingo, 4 de setembro de 2016

O JANTAR E A NÉVOA



          Boa noite, onde vamos colocar a conversa em dia, meu caro? Ela sugeriu um restaurante a quatro quadras de sua casa. Foi assim, depois desse convite para jantar, que ele, de namoro recém-desfeito, foi rever uma velha amiga, que morara no exterior por três anos, mas voltara ao país havia uma semana. Seria um modo de unir o útil ao agradável. Esquecer um pouco do passado, se distrair, mudar o foco de seus pensamentos. Logo ao encontrá-la, porém, ele sentiu algo estranho, a velha amiga lembrou por uma fração de segundo um pouco da ex, mas ele tratou de disfarçar essa sensação. Vestida toda de branco e com transparências, elegante, ela exibia cabelos finos com mechas loiras, e estava enxuta de caminhadas quase diárias e alguma academia aos 46 anos, e mãe de uma filha de 18. Já à mesa, o papo sobre o momento de suas vidas só era interrompido por garfadas em camarões crocantes e levemente picantes com risoto úmido no ponto certo, em ambiente à meia-luz, com velas. Parecia que ia dar certo.

           Ele falava mais do que ela, que perguntava perguntava... e ele dizia, pausadamente, sobre os novos sonhos e projetos profissionais. Ele disparara a falar não com medo do silêncio, de dar "um branco", a sensação de vazio ou de falta de assunto que por vezes acontece hoje, principalmente nos "encontros às cegas", comuns no mundo virtual. Ali, eles já se conheciam, não havia motivo para qualquer desajuste ou saia-justa. Não havia espaço para o costumeiro o "vi, não gostei, dispensei" ou ainda o "fast-food" das aventuras nas redes de relacionamento. Ele não parava de falar. E a amiga mostrava-se mais interessada numa solução de continuidade do que o próprio "tagarela". Ela escutava com atenção suas palavras, seus sentimentos. Mas, desde o início, aquele estranhamento -- o flash da ex-namorada -- havia dado tom no jantar.
   
         De repente, assim do nada, o desinteresse tomou conta do ar. Rapidamente, então, ele pediu ao garçom para fechar a conta. Ela tentou esboçar uma reação, retomando a conversa, mas já era tarde. Para ele, tudo o que dissesse só pioraria as coisas. Qualquer palavra "errada" acentuaria as diferenças. Não era a primeira vez que isso ocorria com aquele homem. Ele sabia, seria como tivesse vergonha de estar ali. De uma hora para outra, ele olhou para o outro lado da mesa e já não havia ninguém. Só viu o vestido branco da amiga ser aos poucos engolfado por uma névoa igualmente branca, até ela simplesmente desaparecer. [No passado, quando isso ocorria, em vez de uma bruma surgir, um castelo de areia se esfarelava diante dele e tudo perdia o sentido]. Foi aí, pelo olhar distante dele, que a amiga [ou ex-amiga?] sentiu que a noite estava perdida. Ele lamentou consigo mesmo e pensou: "Não estou pronto, não estou curado, ou não é ela". Ou as três coisas juntas.

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