Uma agulha no palheiro. Informação selecionada e às vezes comentada, histórias do dia a dia dos mortais, crônicas e tudo aquilo que mexe com o humor de um jornalista inconformado
sexta-feira, 27 de setembro de 2013
DEPOIS DA ANESTESIA
O diagnóstico: hérnia de umbigo. Teria de operar. Pronto, de cara um "sossega leão" para que dormisse bem pesado. Alguns minutos depois, meio zonzo, é levado do quarto. Lembra-se de percorrer corredores do hospital deitado numa maca, rumo à sala da cirurgia. Via as pessoas, as luzes, escutava os barulhos, mas tudo já parecia meio distante e um pouco embaçado. A sala de cirurgia era grande, bem espaçosa. Chegara a hora da anestesia. Uma enfermeira passa e, de relance, diz: "Vou cuidar de você, fique tranquilo". Estava calmo [em que estado poderia estar depois de tomar aquele torpedo sonífero?]. De repente, abre os olhos e vê um enfermeiro ao lado. A pergunta: "Quando vai começar?" A resposta: "Já acabou!"
Fica perplexo. Tinha perdido a noção de tempo, não sentia dor, nada. Tudo tinha acontecido literalmente em um piscar de olhos. Se morrer for assim, apagar sem perceber, que bom! Divagou: nem vou ficar sabendo que morri. Que alívio! Desde a infância a morte nos corteja, pensamos nela, tememos o fim, imaginamos o que viria depois dela -- porque queremos, "do fundo de nossa alma", a continuidade, a "imortalidade" mesmo que em nova dimensão. Se ela existir. Desde que lhe contaram que o avô virara uma estrela no céu, e que só voltaria a falar com ele quando também se tornasse uma estrela, o assunto o aflige de algum modo. Sem saber, teve até o mesmo pensamento do cineasta espanhol Luis Buñuel, que gostaria de descer do além, de tempos em tempos, ler as notícias do dia e retornar às alturas celestiais.
Numa dessas descidas, com sorte, leria histórias como a de Jason, que, depois de uma cirurgia de hérnia, não reconheceu a mulher, Candice, com quem é casado há seis anos. Ao acordar, meio grogue, ele começou a paquerá-la, como se fosse um amor à primeira vista. "O médico que mandou você aqui? Como você é linda! É a mulher mais linda que já vi. Você é modelo?" Ela, pega de surpresa, começa a rir, e diz: "Sou Candice, sou sua mulher. Estou aqui ao seu lado, coma a bolacha!". "Você é a minha mulher? Meu Deus, há quanto tempo". "A gente tem filhos?"."Ainda não". "A gente já se beijou?". Candice ri de novo e insiste para ele comer a bolacha. "Está difícil, baby", diz Jason, sentindo ligeira dor. "Por quanto tempo estamos casados?". "Muito tempo". "Meu Deus, tirei a sorte grande. Deixa eu ver seu rosto. Nossa, que dentes perfeitos. Vira de costas!". "Não! Come a bolacha". "Eu te dei esse anel? Devia estar gostando muito de você".
Antes de voltar aos céus, após dar boas risadas com histórias como essa, confabularia consigo mesmo. Deveria existir uma cirurgia que "zerasse" os namoros ou os casamentos, para que pudéssemos viver tudo de novo, com direito a duas versões, como ocorre com aparelhos eletrônicos nos dias de hoje. Recomeçar do início ou de onde parou? De qualquer forma, em ambos os casos, o passado vivido teria sido apagado.
De repente, de volta ao quarto, pergunta: "Já foi mesmo?". Estava estupefato com a rapidez da cirurgia, que normalmente dura uns 40 minutos. E durou, só ele que não notou. O médico cirurgião, então, reaparece em visitinha rápida: "Deu tudo certo, e você ganhou um umbigo de miss". Agradeceu [não pelo umbigo, claro!]. Como Jason, ele também estava bem zonzo e eufórico. Não parava de perguntar. "Acabou mesmo? Não senti nada", dizia à irmã que o acompanhou em sua primeira imersão hospitalar. "Estou ótimo, quero uma feijoada!", pede, com ironia. Risos. O médico pergunta: "Ele é sempre assim?". Exceto quando está com fome, revelou a irmã, sobre os humores do paciente.
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