terça-feira, 25 de agosto de 2015

ESPÉCIES INVASORAS AMEAÇAM BIODIVERSIDADE

Mergulhadores têm ordem para matar o peixe-leão: praga no Caribe
     

               Ao longo da história, à medida que o homem foi se deslocando e povoando novas terras, diversas espécies de animais e plantas foram levadas, de modo intencional ou acidental, de seu ambiente de origem para ecossistemas de outras regiões do planeta. Esse processo, que teve seu primeiro grande impulso na colonização das Américas feita pelos navegadores europeus, é motivo hoje de muita preocupação para os biólogos. No mundo moderno globalizado, a melhoria e o uso intenso dos transportes por terra, mar e ar provocaram um notável aumento da velocidade com que pode ocorrer a bioinvasão de espécies exóticas em novos ambientes, a ponto de pesquisadores considerarem uma ameaça à biodiversidade da Terra. O motivo: essas espécies exóticas invasoras tendem a desequilibrar ecossistemas, provocando até a extinção de espécies nativas, empobrecendo a fauna e a flora, além de causar prejuízos à economia e riscos à saúde humana.

      Por “espécie invasora” deve-se entender aquela que, natural de determinada região, penetra (ou é introduzida) em outra onde não existia anteriormente, adapta-se bem, prolifera-se sem controle e ameaça ou leva ao extermínio de espécies nativas. Um caso clássico de desastre desse tipo aconteceu na década de 1980 no Brasil. O caramujo gigante africano foi trazido ao país para ser uma iguaria vendida a preço mais baixo que o escargot francês. Como não caiu no gosto do consumidor nos restaurantes, os criadores se livraram dos moluscos, soltando-os em qualquer lugar. O caramujo africano, que pode colocar até 200 ovos por vez,  rapidamente se espalhou pelo país, causando danos a plantações e transmitindo doenças.

        Episódio semelhante aconteceu nos Estados Unidos com a cobra píton. Importada da Ásia como bicho de estimação, a píton é protagonista de um grave desequilíbrio ambiental nos pântanos do sul da Flórida. Como atingem até 5 metros de comprimento, muitas delas foram soltas na natureza por seus proprietários. Elas se reproduziram com facilidade no Parque Nacional de Everglades, que registrou então forte declínio nas populações de guaxinins, gambás, coelhos, veados e linces nativos nos últimos 10 anos. “Uma área só pode ser regenerada se os invasores forem retirados a tempo. Depois que o problema se instala e alcança grandes proporções, é muito difícil reverter”, alerta o biólogo Giuseppe Puorto, de 61 anos, diretor do Museu Biológico do Instituto Butantan, em São Paulo. “Para reduzir a quantidade de pítons, as autoridades têm liberado sua caça, sem muito sucesso”, diz.

     
Ex-pet, píton gigante toma Flórida: autorização de caça não reduz população

       Moradores da Flórida também são suspeitos de provocar outra catástrofe ecológica. O vistoso peixe-leão, originário dos oceanos Pacífico e Índico, foi solto no Atlântico por donos de aquários ornamentais caseiros na década de 1980. Sem um predador eficiente – e por ser um voraz devorador de peixes pequenos, crustáceos e ouriços --, o peixe-leão avançou como uma praga pelo mar do Caribe, dominando recifes de corais nas ilhas Bahamas, St. Marteen, Los Roques e Bonaire, pondo em risco outras espécies. Atualmente, mergulhadores cadastrados são autorizados a matar qualquer peixe-leão que encontre pela frente em águas caribenhas. Para essa tarefa, eles utilizam um arpão batizado ELF (Eradicate Lion Fish).

      Do Caribe, aliás, vieram as pererecas-assobiadoras que tiraram o sono de paulistanos que moram no bairro nobre do Brooklin no ano passado. Um estrangeiro teria trazido exemplares do minúsculo anfíbio, encontrado nas Antilhas e em Porto Rico. Por não suportar o barulho que o macho faz à noite para atrair a fêmea durante o período de reprodução, que vai de outubro a abril, ele teria tomado a pior atitude: jogado as pererecas num bueiro. “Nunca se deve soltar espécies exóticas”, diz Puorto. O Brooklin não tem cobras e ratos suficientes para  conter uma explosão populacional das pererecas, que precisam ser, uma a uma, capturadas.

    Há, porém, casos de espécies exóticas invasoras que se proliferam de modo acidental, com efeitos igualmente negativos. Um exemplo: o mosquito Aedes aegypti, vetor da dengue, que chegou ao país em barris de água de navios negreiros vindos da África. O mosquito é até hoje um problema de saúde pública. Por outro lado, o tráfico de escravos feito nos séculos 18 e 19 pelo Brasil é apontado como responsável também por uma bioinvasão “do bem”, a do mexilhão Perna perna, que veio em incrustações nos cascos da frota negreira, se acomodou às comunidades biológicas nativas e foi incorporado à cultura nacional.

     Mas existe também o “mexilhão do mal”, de água doce, presente nas bacias dos rios da Prata (desde 1991) e Paraná (desde 1998). Chamado mexilhão dourado (Limnoperna fortunei), esse molusco exótico gera problemas para as hidrelétricas, como a de Itaipu, desde 2001. Para evitar entupimentos nas tubulações dos trocadores de calor (por onde passa a água que resfria o óleo que lubrifica as turbinas), técnicos precisam limpar o encanamento periodicamente: gás ozônio é usado para impedir que o molusco se fixe nos dutos. A prevenção é importante para evitar que o mexilhão alcance outros rios, prejudicando a captação de água para irrigação e consumo humano, e danificando equipamentos de piscicultura. Natural de rios da China e sudoeste asiático, o mexilhão dourado gosta de estruturas metálicas submersas. A infestação está sob controle, mas não se conhece ainda um jeito veloz de acabar com o molusco, que chegou por acidente ao continente sul-americano, na água usada como lastro de navios.

      Um erro de manejo resultou no caso mais famoso de bioinvasão de uma espécie exótica nas Américas. Foi em 1957, com abelhas africanas trazidas para o Brasil um ano antes. À época, havia o interesse dos apicultores em melhorar a produção de mel. Até então o mel era feito com abelhas europeias. As abelhas africanas são mais produtivas e suportam melhor as alterações do clima. Uma fatalidade, porém, permitiu a enxameação de 26 colméias de abelhas africanas. Do interior paulista, de onde escaparam, elas alcançaram os EUA. “O problema é que são muito agressivas, atacam tudo o que consideram ameaça. Além disso, do cruzamento com abelhas européias, houve a proliferação da abelha africanizada”, diz Puorto.
 
Pererecas-assobiadoras: inferno no Brooklin, zona sul de São Paulo
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terça-feira, 18 de agosto de 2015

O DESABAFO




        Criança! A noite, dizem, é deveras criança. O papel queima. As pessoas ficam em bares quentes e amontoadas. E eu? Eu me confundo no meio de tantas coisas. As  pessoas, ou melhor, uma pessoa me definiu em relação a ela como o Sol em relação à Lua. Quando um chega, o outro parte. Nossa história é bem parecida. Penso em você, me recordo de cenas. Me exponho a você. E você não sabe como agir, tal a insegurança. Seu narcisismo é mera lei da compensação. Já te disse ou não existe um tesão, ou você é brocha, ou talvez ejaculação precoce. Ou quem sabe um homossexualismo enrustido atrás desse exarcebado narcisismo. Narcisistas todos somos, mas a autoafirmação parte da lei da compensação. Nunca consegui ficar a sós com você, nunca consegui falar com você sem tomar um drinque encorajador. Nunca te toquei porque sua postura não permitiu. Meu tesão é real. Você tem conhecimento disso. Sua cabeça me agrada (me simpatizo). Teu corpo, desejo. Tua insegurança, odeio! Nunca você me deu a oportunidade de ser eu mesma. Meu eu mulher, fêmea.

     Talvez não haja essa possibilidade. Vou embora. É uma questão de dias. Você, você fica, com sua insegurança, com sua boca linda. E deixo a pretensão do meu tesão um dia inexistir. Não insisto. apenas falo comigo mesmo, nossos mundos são diferentes, nossas cabeças também. Talvez a única coisa que eu queira com você seja.... O guarda noturno passa com a lambreta assobiando. É engraçado e você aí na vida, assobiando para outras coisas. Vou embora e no mínimo posso levar a lembrança de um tesão reprimido. Não tenho mais o que escrever. Talvez lhe mande... talvez, não, algum sinal de vida. O orgulho, sabe!? Resta a esperança de um dia nos encontrarmos como homem e mulher que somos. Levo lembranças. Talvez um dia você me procure sem guarda-costas, aí, quem sabe, conversaremos tomando um champanhe juntos, pelo fim da formalidade e pela saudade contida.


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sábado, 15 de agosto de 2015

SEGREDOS DA CAIXA AZUL



                 Aos quase 70 anos, um homem já fez de tudo na vida  -- de estudante rebelde a guarda de estacionamento, mochileiro Brasil afora, revisor de textos, médico, aposentado -- mas ainda se surpreende ao mexer no fundo de uma gaveta esquecida no armário da garagem de sua casa. Encontra uma misteriosa caixa azul. Ao abri-la, percebe que está cheia de cartas que nem sabia que ainda existiam, que não tinham sido jogadas fora ou traçadas por traças e cupins. Ele começa a revirar tudo, abrindo envelope atrás de envelope, lendo uma a uma. Ali ressurgem velhos amores, lembranças de intensas paixões [platônicas ou não], dos tempos da juventude, saudosos e vigorosos momentos de uma vida da qual não pode se arrepender [ou pode?], mesmo nos casos em que fracassou ou ficou inerte. A leitura leva aquele homem a outros tempos, dos anos 1970 e 1980, que a memória já nem dava conta de preservar. Leva-o às nuvens, "à imensa imaginação que há em sua cabeça louca", disse a ele, certa vez, uma notável colega de trabalho.
               
         Um dos bilhetes que encontrou tratava daquelas brincadeiras comuns nas empresas em fim de ano, o "amigo secreto". Assinado por "Graúna" (claro, um apelido do jogo),  de quem tem pouca lembrança visual, exceto de ser uma morena risonha, o bilhete dizia: "Oi, adoro seu jeito bem-humorado, que é só seu. Mas que menino mais charmoso! Sabe que te encontrei uma vez numa passeata, mas você não me viu. Lá na Praça Fernando Costa... porque a polícia havia proibido manifestação contra a ditadura no Largo São Francisco". [Memórias rebeldes, dessa, ele lembrou: a praça estava tomada por policiais e uma banda da PM tocava o hino do Corinthians. Entorno uma multidão silenciosa, muita expectativa, muita tensão: até que alguém no meio do povo gritou, bem ao seu lado. 'Liberdade, liberdade!' E centenas de estudantes saíram correndo de todos os cantos, aos berros, levantaram as faixas escondidas sob as camisas e formaram uma imensa passeata, que foi reprimida logo depois com cassetetes, bombas de gás lacrimogêneo e até com cintos pelos policiais.] Outro bilhete da moça tenta facilitar as coisas: "Uma vez também te flagrei pregando um papel na porta o banheiro; '65% de aumento ou greve!'" [sim, eles trabalhavam numa grande empresa gráfica que se vangloriava de não ter greve, mas daquela vez, parou tudo. Mesmo assim ele não identifica sua amiga secreta]

           O homem também encontrou cartas bem mais temperadas. Uma delas, sem selo, provavelmente colocada pessoalmente ou por um amigo da missivista na caixa dos Correios de sua casa na Pompéia, dizia: "A vida é um grande circo. Sempre tive a certeza de que te queria. Já não te quero mais como objeto. Continuo te querendo. Pena é que eu sempre te quero quando estou sob estado alcoólico. Eu também sempre soube que gostaria. E você se põe muito inacessível, mas eu quero, quero por carta, por palavras, por teoria. E por tesão. Tesão de um beijo. Sempre soube que iria gostar de beijar esses lábios. Também tenho certeza de que você gostou" [o homem recordou; ambos tinham experimentado beijos bêbados em um boteco  da cidade, depois da faculdade, era uma boa lembrança]. E moça ainda dizia: "Você pode estar apaixonado por mil mulheres. Mas eu não estou nessas mil. Nosso caso de desencontro é raro. Gosto, porém não consigo me enroscar (não é pra sempre), só por bons momentos. Os objetos, ou os não-objetos, também gostam de se enroscar, por bons momentos. Todos, no fundo, somos iguais. Continuo lamentando o café da manhã que não tivemos. Mas você não é mais a minha frustração. Talvez eu seja a sua, vai saber! [o homem volta no tempo e decreta: ela tinha razão!]. A colega de faculdade ainda provoca: "Talvez nos frustremos juntos. Adoraria fazer outras coisas com você... mas me contento com a primeira e ótima correspondência. Não somos apaixonados, mas nos apaixonamos com nossas diferenças. Sem dilemas, não vou implorar ao dizer que estou de partida. Pois sempre em nossas cabeças estivemos partidos. Essa diferença me atrai. Por todas as suas paixões e as minhas, acredito que eu seja uma sua, como você é minha". [O homem nunca mais viu a garota, Cleusa, loira branquela, magra e muito charmosa, com nariz levemente adunco, e sentiu saudade sim, e sentiu até o gosto alcoólico daqueles beijos frenéticos, longos, desinibidos e desaforados daquela noite inconclusa, mas inesquecível]. Tempos depois, por telegrama, ela tripudiou, mas ainda alimentando esperança: "Não morra de saudades, gosto do teu beijo".

          Ele também achou um cartão-postal vindo de Paris, cuja imagem era o cartaz de "O Vento Levou", filme vencedor de 10 Oscar, e que colocou Clark Gable e Vivian Leigh de vez no Olimpo da sétima arte. Nele, Loreta revelava à distância seus desejos encarcerados: "Achei que não tinha nada a ver te mandar uma paisagem, por isso. já que nunca te beijei na boca, vai um por cartão-postal. Estou me divertindo muito, aqui é uma loucura. Escreva, desenhe, apareça, Estou te esperando"... [ele recorda: não deu para visitá-la na cidade-luz e beijá-la sob a Torre Eiffel ou triunfante namorá-la no alto do Arco do Triunfo, como um guerreiro vencedor da Bastilha. O homem sabe que a distância aumenta mil vezes a coragem de dizer coisas impronunciáveis ao vivo. sem medo de rejeição. Ele ainda pensou... jamais renegaria Loreta]

           A caixa praticamente contava, a cada carta ou bilhete, a vida amorosa turbulenta, inexata  -- e olhando no tempo -- por vezes inexistente daquele homem. Do primeiro grande amor adolescente, Patrícia, traços finos e corpo magro, mas sinuoso à moda Botticelli, escultural, havia inúmeras cartas. Havia muita angústia nelas também. "Além de todo amor e tesão, sinto por você muita ternura, me deixe sentir toda sua imensa sensibilidade que, às vezes, você tenta camuflar, como defesa própria. É assim que vou te amando cada vez mais. Não te sinto apenas quando você cobre meus seios com suas mãos quentes ou quando te acaricio todo... Adoro também te ver chegando, naquela praça no centro, sorrindo, vindo me buscar. Adoro seu sorriso largo e claro, ou quando digo, como logo acima, alguma besteira e te deixo encabulado. Adoro quando me cutuca com o nariz, como quem quer dizer alguma coisa, e diz, muitas". Em outra carta, ela diz: "Estou muito bem, e descobri quem me nutriu naqueles dias.... você e seu maravilhoso macarrão miojo" [o homem gargalha ao relembrar a história, foram longos anos juntos]. 

          Já Otília, magrela cheia de charme [que "competia" com Patrícia] não se aguentava de vontade de namorá-lo um dia escreveu 15 linhas, revelando o fogo que a queimava por dentro: "Adorei conhecê-lo. Melhor ainda saber que você está no bairro e que a qualquer momento vai estar dentro de minha casa. Espero ansiosa a cada mês do ano, pois sei que a qualquer momento você vai aparecer. Não só para mim, mas sei que sou lembrada e isto me basta. Você é perfeito: um corpo bonito e legível, um pouco preocupado com a propaganda que faz, mas muito visual. Isso me agrada. Um nome forte e lindo. Você é composto de matérias excitantes e inesquecíveis [o homem ri, "matérias"???]. Você não se importa em agradar, você é agradável. Possui carisma especial e isso mexe (e "meche") comigo. Como lê, mexe de qualquer jeito [mais risos]. Todos gostam de você, e eu também, lembra?" [o homem não se lembra do nome dela, a memória já não é mais mesma, e tem uma leve suspeita, mas não sabe com exatidão do que ela fala]. "Na hora do almoço, vejo você na mesa só comigo e te devoro sem tocar. Como é bom recebê-lo em casa". Ela ainda sugere, "apareça para um cafezinho" [homem lembra que nunca passou de um cafezinho].

            E a Dalva, que estudava para ser médica, a quem de vez em quando ele levava frutas? Já não se viam há muito tempo. Um dia, em Paraty, lembrou-se dele. "Caríssimo, diante desse lindo postal não tive alternativa senão lembrar-me de você. Fiquei sabendo que esteve à minha procura no Guarujá. Que pena não estar lá. Talvez já conheça Paraty, mas você que tem uma seleta coleção de postais do mundo todo, não poderia deixar de ter um meu" [o homem quando a conheceu, ainda ferido e refazendo-se de um desenlace, patinava. Lembra que a moça, cabelos escuros lisos e que vivia dizendo que queria se casar, se casou. A atitude enterrou o sonho dele, ao estilo "tomo uma Coca-Cola, ela pensa em casamento, e uma canção me consola". Ela se foi e ele continuou caminhando sem lenço nem documento, mas continuaram amigos e curtiram várias noites de jazz vida afora].

              Outra mulher "renasceu" da caixa azul. Regina, morena à moda local com traços orientais marcantes, mal conhecia o homem e colega de turma na faculdade, porque pouco se falaram durante os quatro anos de estudos na mesma classe. Mas dançou muito com ele na festa de final de diplomação -- e um sítio fora da cidade. Perdendo a habitual timidez, mas com a discrição japonesa, deixou sem que ninguém visse um bilhete no bolso do casaco dele. "Você é o maior barato, se pintar vontade, telefona!". Um mês depois, ela enviou um postal de Natal: "Foi tão bonita aquela dança. Aconteceu no momento certo. Me lembro de tudo e acho graça. Acho terno. Acho que entendi errado simplesmente. Estava fantasiando a partir de uma atitude normal. Caí em mim. Estou tão bem, como disse besteiras na última vez que nos vimos! Suprema vergonha. Guarde só o momento mágico da descoberta de uma pessoa [o homem tem nítida recordação da festa e dela, e da loucura, mas não ligou, e hoje se lamenta, nem que fosse só para dizer que não havia motivo algum para ela se envergonhar].
   
              Nova emoção. "Estive aqui, não volto nunca mais, adeus!", disse Gilda, loira, olhos verdes, em bilhete deixado no portão de casa daquele rapaz, para provocá-lo a aparecer na casa dela naquela noite. Ela sabia o efeito que o recadinho teria [o homem adorava aquela loira vulcânica e inspiradora. à noite, não deu outra, tocou a campainha da casa dela e fizeram sexo faminto no chão da cozinha]. Outra emoção foi quando viu o bilhete de Carla: "Não estou entendendo nada!" [ele nunca esqueceu dos cabelos cacheados e da noite em que entraram de roupa e tudo nas ondas de uma praia famosa do Guarujá]. O bilhete tinha um motivo triste. Ele sumira porque achara que faltava algo mais no relacionamento. Ela não era possessiva. Mas ficaram amigos, como antes. Ternos amigos.  

             Ao ler essas cartas e bilhetes, ele sentiu fortes emoções e seu coração bateu descompassado. "Como gostei dessas mulheres", pensou. Depois que acabava cada namoro juvenil, até aquele que mal começara e já terminara, sempre achava que jamais encontraria outra igual. Coisas da adolescência. Logo depois, ele fechou a caixa azul, guardou-a para novos achados no dia seguinte, ou outro dia qualquer. Uma cartinha, porém, ainda estava fora: era a de Selma, com quem mergulhara por acaso no mar de Bertioga. Era curta. Foi a primeira e única vez que se viram. E nada afinal havia acontecido entre eles, além de sutis e sugestivos esbarrões de pernas no balanço das ondas e a troca de algumas palavras. "Não tenho muito a escrever, mas tenho na lembrança o sorriso maroto e espontâneo que tanto me cativou. Pena que o tempo acelerou e quando me dei conta estava na hora de sair da água, deixando para trás minhas fantasias" [até hoje ele imagina como teria sido fora d'água]. O homem recolocou o bilhete dentro da caixa, fechou-a novamente e minutos depois morreu do coração, abatido por um ataque cardíaco fulminante em casa, sozinho. Foi enterrado por um punhado de familiares, seus irmãos. 

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quinta-feira, 13 de agosto de 2015

DENGUE: A EXPLOSÃO PAULISTA

O avanço da dengue nas cidades paulistas 
                                                   

                                                         [versão atualizada]
   
                 Com quase 750 mil casos no Brasil, a epidemia de dengue está de volta. Desta vez com maior força em São Paulo, onde a doença já atingiu 499,8 mil pessoas -- mais de 50% das notificações feitas em todo o país. Acre, Goiás, Tocantins, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte e Paraná são os outros Estados onde também houve o registro de mais de 300 casos por 100 mil habitantes, padrão internacional que define epidemia. Até 18 de abril, dados fechados mais recentes, aconteceram 229 mortes, 165 em SP. segundo o Ministério da Saúde. A pergunta que não quer calar: por quê? A resposta mistura a crise da água na capital paulista e na Grande SP, o surgimento de casos em cidades onde nunca houve dengue, a imprudência e falta de conscientização da população e a ação tímida ou ineficiente dos municípios após a descentralização do controle da dengue em São Paulo.

         “Muita gente armazenou água para enfrentar o desabastecimento na Grande São Paulo, talvez de modo inadequado. Com a chegada do verão houve uma infestação maior do mosquito transmissor do vírus. E menos controle das pessoas em relação aos focos do Aedes aegypti”, suspeita a bióloga Tamara de Lima Câmara, pesquisadora do departamento de epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP. Além disso, a rigor -- desde 1985, quando a dengue ressurgiu no Rio de Janeiro de forma endêmica -- São Paulo enfrenta a sua primeira grande epidemia, do sorotipo 1, e a população tem baixa imunidade [existem quatro tipos de dengue: quem adoece fica imunizado para sempre em relação àquele sorotipo].

      Outro fator para a “explosão paulista” de casos é o aumento expressivo da presença do mosquito ter coincidido com a descentralização do combate à dengue no Estado. “Teve prefeitura que conseguiu se organizar, outras não. Se a cidade vizinha tem problemas, se depende muito de outras esferas de governo, isso afeta a todos, porque o mosquito não respeita limites geográficos”, analisa Gisela Monteiro Marques, pesquisadora da Sucen (Superintendência de Controle de Endemias) de São Paulo. “Ainda temos deficiências de saneamento e na coleta de lixo”, aponta ela. Por isso, são necessárias campanhas de prevenção vigorosas. Sabe-se que 80% dos casos ocorrem dentro das casas por falta de combate aos criadouros do inseto -- que gosta de água limpa e parada para se reproduzir, voa baixo e geralmente pica pés, tornozelos e pernas, de manhã e no fim da tarde.

       Cidade mais populosa do Império, o Rio de Janeiro foi palco da primeira epidemia de dengue no país, em 1846. O Aedes aegypti havia “desembarcado” em território brasileiro de forma acidental, trazido por navios negreiros oriundos da África. O mosquito -- que gostou do clima nativo, do calor e das chuvas típicas das regiões tropicais e subtropicais -- foi responsável então por surtos da febre amarela urbana – uma doença que foi considerada extinta nos anos 1940, após intensa campanha de combate ao mosquito, que incluiu até o Exército, com soldados entrando de casa em casa para varrer o inseto no Rio. Quatro décadas depois, a partir de 1985, a capital fluminense passou por seguidos surtos dos vários tipos de dengue e, por isso, desta vez tem baixa notificação.

       Por ameaçar 2,5 bilhões de pessoas em mais de 100 países, a dengue também gera preocupação internacional. Para parte da comunidade científica, com o surgimento na Ásia e na América Latina de enormes conglomerados urbanos caóticos, o mundo terá que conviver com epidemias até a “solução final”, a descoberta de uma vacina capaz de proteger contra os quatro tipos da dengue. “É impossível erradicar o mosquito da dengue nos grandes centros urbanos, populosos e desorganizados”, diz Tamara Câmara, referindo-se à importância de uma vacina. O Brasil é um dos países que tenta fabricá-la, num trabalho de pesquisa do Instituto Butantan. Neste cenário, sem vacina, o alvo principal do combate à dengue continua a ser o mosquito Aedes aegypti, ora tentando enfraquecê-lo ora tentando reduzir sua população.

      Em parceria internacional, a Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) testa desde setembro passado um modo de anular o transmissor da dengue por meio de uma técnica desenvolvida na Austrália. Trata-se da soltura de milhares de mosquitos Aedes aegypti que receberam em laboratório uma cepa da bactéria Wolbachia, originária da mosca-das-frutas, que bloqueia o vírus e impede a transmissão da dengue.

     Presente em 60% dos insetos, como mariposas, borboletas e besouros, a bactéria não oferece risco à saúde humana ou ao ambiente, segundo os pesquisadores, e se espalha na medida em que os mosquitos se reproduzem. Detalhe: por ser uma bactéria intracelular, a Wolbachia só pode ser transmitida de “mãe para filho” na reprodução dos mosquitos, e não pela picada do Aedes no ser humano. Os testes de campo da Fiocruz estão sendo feitos no bairro de Tubiacanga, na Ilha do Governador, no Rio.  Embora ainda sem resultados definitivos, os cientistas da Fiocruz enfatizam que esse método – testado em outros países pelo programa “Eliminar a dengue: nosso desafio”, com recursos da Fundação Bill & Melinda Gates -- utiliza uma estratégia natural, de longo prazo, sem riscos e auto-sustentável.  

        Mosquito transgênico: nova arma?

       O esforço mundial antidengue já emprega também uma arma tanto inovadora quanto polêmica: o mosquito Aedes aegypti transgênico. Criado em laboratório, trata-se do Aedes macho geneticamente modificado (“gm”), que não pica. Ele tem um gene defeituoso, estéril. Soltos aos milhares em determinada área, os “gm” conseguem monopolizar o período fértil das fêmeas na competição com o Aedes aegypti silvestre. O resultado da infestação pelo mosquito “gm” é notável: as fêmeas geram uma prole menos saudável, que morre antes da fase adulta. Assim a população do mosquito original da dengue cai de forma drástica e o risco de epidemia fica bem reduzido.

      Essa estratégia já foi testada no Panamá, Ilhas Cayman e Malásia. No Brasil, com autorização da Comissão Técnica Nacional de Biosegurança, houve testes em bairros de Juazeiro e Jacobina, no sertão baiano, em 2014, com redução de até 90% da presença do mosquito transmissor. Mas pesquisadores vêem riscos: há receio de que a alteração do DNA do inseto dê origem a uma superbactéria, ou que uma mutação do vírus cause uma doença mais potente que a dengue. Sem falar de eventuais danos ambientais e agrícolas imprevisíveis.

      A empresa britânica Oxitec, fabricante do mosquito transgênico e responsável pelos experimentos na Bahia, diz que o método é seguro. Abriu sede em Campinas (SP) e negocia com prefeituras. Após acordo com o Ministério Público, Piracicaba iniciou em 30 de abril a soltura de dois milhões de mosquitos geneticamente modificados no bairro Cecap. Foi o primeiro município paulista a adotar o “Aedes do bem” contra o Aedes aegypti. A promotoria exigiu garantias e impôs regras. “O mosquito transgênico é interessante. O problema é que é preciso soltar periodicamente milhões de mosquitos transgênicos, porque o Aedes  silvestre nunca é eliminado por completo, e volta a se reproduzir”, afirma Gisela Marques.

      Nos EUA, porém, uma petição assinada por 130 mil moradores das Ilhas Keys, na Flórida, impediu em janeiro a liberação de três milhões de mosquitos transgênicos no combate à dengue. Lá a questão depende de uma decisão da Food and Drug Administration (FDA).

      A cada dia, uma nova pesquisa aponta um modo diferente de abater o mosquito. Em Manaus, pesquisadores do Instituto Leônidas e Maria Deane, ligado à Fiocruz, e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia anunciaram em abril a descoberta de outro jeito de reduzir a população do  Aedes aegypti. As fêmeas do inseto são atraídas até baldes, chamados de “estações de disseminação”, tratados com inseticida. Ali entram em contato com o pó do inseticida, que gruda em seu corpo e é levado até os criadouros mais inacessíveis aos agentes de saúde, matando as larvas antes de seu estágio adulto. Por sua vez, cientistas da Ufscar descobriram que a curcumina, molécula presente no tempero de açafrão, prejudica o crescimento das larvas do Aedes aegypti, impedindo também que cheguem à fase adulta.
      
       Há quem diga que está próximo o dia em que será anunciada a vacina contra a dengue. Mas até o momento, o campo da maior batalha contra epidemias não está nos laboratórios. Fica dentro de casa: é qualquer local, objeto ou planta que armazene água limpa e parada.

   

Sintomas e tratamento
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quarta-feira, 12 de agosto de 2015

CONTATOS IMEDIATOS DE GRAU ZERO NA REDE

Busca de amor improvável: uso de site como instrumento

         Claudia está irritada. Morena de olhos verdes, 42 anos, sem filhos, passaporte bem carimbado, nível educacional acima da média, tenta a sorte num site de encontros na internet e bate com a cara contra o muro. A realidade virtual parece ser o cenário ideal para inúmeras ficções, às vezes até repetidas à exaustão.

         São 20h13, e ela está na rede social em busca de um "amor", sabe-se lá o que ela entende por isso. "Aqui? O meu lugar é bem longe daqui", logo descobre. "Estou pasma. Um babaca, que tinha me enviado mensagens no skype, me perguntou: "Onde você está, que nunca me responde?" Me encheu de elogios, blablabla. Daí hoje ele disse: "Ué, você sumiu..." Ao que eu respondi: "U2". E ele retruca: "O que é isso? Vai a merda, vai!" Ela ri, ao revelar a incontinência verbal daquele homem, e diz: "Não tive outra alternativa. Chamei-o de grosso e analfabeto, também mandei ele pra lá, e apaguei-o da minha lista. Bien sûre. Dá pra acreditar?", pergunta a si mesmo. "Não entendi, por que me mandou à merda." São 20h26. "Agora fiquei brava. O meu dedo só vai para o 'bloquear'. Já bloqueei uns 10 hoje. Fora da idade? Bloqueado. Sem foto? Bloqueado. Analfa? Bloqueado. De bem com a vida? Bloqueado. Eles não se dão ao trabalho de ler o meu perfil, tão curtinho", protestou. Foi a vingança dela após ouvir uma agressão aparentemente gratuita. 

         São 20:37. "Eu acho que ele pirou, mesmo. Não entendeu, se sentiu inferior, chutou o pau da barraca". Em duas mensagens que troquei com ele, escreveu "rocho" e "serrado" (região, vegetação). Tadinho. Já devia ter mandado para guilhotina antes. Sobreviveu para me 'chingar'. Brincadeirinha [risos], xingar! São 20:37. "Cansada dessa população masculina neste site. Acho que vou virar de lado. Tenho quase certeza que as mulheres são muito mais interessantes. Confirma?"

          Um deles, chefe de um departamente importante do Hospital das Clínicas, me mandou um link com imagens da entrevista de lançamento do seu último livro em um programa de TV. "Um cara mais velho, muito interessante. Almocei com ele, me mandou várias mensagens, mas no final arregou. Disse algo assim, te achei um encanto, mas só estou interessado em um jantar, um vinho, um 'affair'. Você merece mais do que isso. OK, foi meio babaca, mas pelo menos sincero. E me deixou com o ego no lugar". 

         "Com o outro troquei poucas mensagens. Já quis ir para o café. Ou melhor, vinho. Sugeria lugares assim: conheço um bar... Tem outro assim... Sabe aquela forçação para parecer descolado? Desconfiei. Escolhi um lugar tipo boteco (mas do meu gosto). Ele me pareceu mais almofadinha e mais chato que um TFP. Advogado famoso, escritoriozão no Jardim América. Na saída, ficou mendingando um elogio meu. Nada a ver. Queria porque queria me dar carona até o meu carro. Alarme novamente: terá problemas de ereção? Nessa idade, o carro já não deveria importar tanto. A menos que seja um Porsche. Nem liguei. Me mandou umas mensagens, respondi meio assim, ele também foi meio assado. Meio tosco. Até soltar a pérola: "Então, quando. vamos dar uns amassos?" Sem comentários. Que conexão interessante: carro com problemas de ereção. É um típico pensamento feminino. "Quando vamos dar uns amassos?", repete a pergunta do sujeito e agora sim ela gargalha, de forma jocosa.

         São 17h50. Do dia seguinte. "Deixei a terceira história para o gran finale. Mas só quando você [eu] reaparecer". São 17h53. Casados? "Não, todos divorciadíssimos. Talvez o médico tenha me enganado, mas já era, e também não rolou nada, porque ele pulou fora", diz ela. A terceira história é bem mais "heavy". Poderia ser o início de um episódio de "Relatos Selvagens", o filme. Várias mensagens, tom normal, até ele dizer algo do tipo "gente tão burra que tenho vontade de esgoelar". "OK, explosão tipicamente latina. Depois de comentar que ia para a academia gastar toda a adrenalina para não socar a gente estúpida com quem trabalhava. Huumm... Já achei esquisito. Depois fiz uma brincadeira light e ele disse 'shot to fast'. Huuuuummmmmm... Desconsiderei: 97% de afinidade, dizia o site [hahaha], já não considero mais essa droga, depois dessa. Afinidade quase zero. O cara trabalha com vinhos, fez questão de levar uma garrafa para o restaurante".

           Na chegada, começou a falar de política, meter o pau na presidente.  "Pedi para mudarmos de assunto. Ele chiou, dizendo que a política faz parte de nossas vidas, blablabla, eu sugeri outro tema, passou. Quando estávamos na sobremesa, ele contou-me de um amigo espanhol que numa festa tinha aberto 10 mil euros em vinhos. OK. Eu fiz uma gracinha, tipo 'não se esqueça que os espanhóis são mestres em contar vantagem', ou 'something like that'. O cara me chamou de leviana. Pedi para ele repetir, e ele o fez, em alto e bom som".

         São 18h16. "Perguntei se ele tinha aprendido aquela palavra no debate [de candidatos a presidente]. Ele começou a espumar. Disse que já sabia que não ia dar certo, que isso, que aquilo. mas com uma agressividade muito mal contida. O garçom passou, pedi a conta. Peguei o celular e comecei a teclar. Ele não parou de falar, me disse tantos absurdos que deletei a maioria. Os olhos dele estavam diabólicos. Me perguntou se fazia tempo que estava no site. Eu disse que não era da conta dele, mais nada sobre mim era da conta dele. Ele me disse, então: "Não se preocupe, vai arrumar logo esse trouxa que você procura". Comecei a gargalhar... [será que foi algum tipo de maldição?!]. 
       
         O garçom chegou, dei o meu cartão para pagar a metade. Me levantei e disse: "Gostaria de poder dizer que foi um prazer. Mas estaria mentindo. Mas tenha certeza de que nunca te esquecerei. Você foi o homem mais desagradável com quem saí na minha vida". Saí andando, mas dei uma voltinha e completei: "Ah, não abandone a terapia nunca".

         São 18h17. "Fiquei uns doia dias com um mal-estar. Juro, meio possuída por essa energia tão negativa que ele me passou. Fui dar um Google, quando cheguei em casa. Nada mais nada menos, era um ex-diretor de uma grande empresa americana de distribuição de energia elétrica. Demitiu-se há uns cinco anos. Isso corrobora com a minha teoria já quase obsoleta: "Se você tirar o cartão corporativo de alguns homens, não sobra nada!"

         "Agora estou no flerte com um fotógrafo que acaba de liberar o nome e também é bem famoso. Disse que quer me fotografar [hahaha]. Que as minhas fotos são de "computador", que pode melhorá-las. Que acha?! Eu disse que apesar de caseiras, elas têm dado um ótimo resultado [risos]".
         Claudia foi [des]afortunada com pessoas de 56 a 62 anos. Dois encontros ao vivo fracassaram: um desistiu, e o outro só faltou agredi-la fisicamente. Com um terceiro, a coisa desandou já na rede: houve bate-boca e um quarto veio com aquela velha conversa de "melhorar as fotografias. Claudia desistiu... pelo menos de usar o tal site como instrumento de busca de um amor idealizado.

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terça-feira, 11 de agosto de 2015

LIVROS DE PESO

Lançado também em 2015: 1,58 kg
                                   
                                                   [versão atualizada em 21.08.2015]

        Bons livros costumam fazer nossas cabeças e ganhar nossos corações também. Não para quem lê só orelhas [daí a expressão "de orelhada"], Os orelhudos vivem de citações catadas, de quem nunca leu, mas precisa da citação para integrar um grupo, ou parecer mais letrado do que é. As editoras, claro, tiram proveito dos dois tipos de leitores: o leitor propriamente dito e o "não-leitor", aquele que só folheia alguns, mas compra livros, livros  e mais livros importantes que só enfeitam as prateleiras. Ultimamente, algumas editoras parecem apostar no segundo grupo, ao investir no "livro haltéres". [livros de peso, em todos sentidos.] Livros bons, mas literalmente pesados. Literalmente, Barsas. Ninguém certamente nunca leu um volume inteiro da enciclopédia, feita para consultas sumárias. Haja braço.

        Tão sumárias, que um velho amigo de ginásio, uma vez foi menos hipócrita que todos os colegas de classe, ao ser indagado pelo professor sobre a entrega do trabalho escolar. Ele simplesmente mostrou um volume da Barsa e disse: "Está tudo aqui!", disse ele, com aquela cara de pau que lhe era peculiar. Houve gargalhada geral. O que o professor, meio furioso meio irônico, queria -- velho de guerra na batalha do ensino -- era que, no mínimo, copiássemos a Barsa para ver se alguma coisa fixava em nossas mentes. Ao mostrar a um dos livros vermelhos da enciclopédida Barsa, o desafio estava lançado e a nota zero também.

Belo livro, mas 1,3 kg de peso o transforma em haltéres
      Ao enviar às livrarias livros literalmente pesados [ainda que tenham também consistência informativa] as editoras imitam o professor; pior transformam o leitor em consultor eventual de um livro que pode e deve se lido inteiro. não ser um livro enciclopédico -- para ser lido só como consulta, nas bibliotecas. Por exemplo, "Brasil, Uma Biografia", é um belo trabalho, com um jeito gostoso de contar a nossa história  -- interessante inclusive porque vem até os tempos atuais e por ajudar a entender o que somos hoje. Foi escrito a quatro mãos pelas professoras Lilia Moritz Schwarcz, da USP, e Heloisa Murgel Starling, da UFMG. Lançado pela editora Companhia as Letras, pesa cerca de 1,3 kg, com 700 páginas e letras diminutas. Para ler no braço, só sentado. Caso contrário, em qualquer outra posição, acabará por sentir dores horríveis ou vai sem dúvida contrair LER [Lesão por Esforço Repetitivo]. Ou seja, é um livro que poderia ser dividido em dois ou três volumes [e a editora poderia fazer uma caixa e proibir a venda dos volumes separadamente, por exemplo, para garantir a integridade da obra].

       O mesmo acontece com a edição em inglês de "Napoleon, A Life", belíssima biografia, mas com 926 páginas, 1,88 kg, está mais para livro haltéres do que para leitura. Outro livro divisível por três, não fosse uma estúpida economia de papel, que as editoras parecem ter abraçado com gosto. Seria uma delícia [e não um sofrimento físico] ler uma das melhores e mais ricas biografias do soldado-guerreiro francês, escrita por Andrew Roberts. Se bem que nesse caso, a edição mais cuidadosa, tem margens e letras maiores. Outro caso de livro haltéres é também outra biografia: "Pedro, o Grande, sua vida e seu mundo", escrita por Robert K. Massiem [vencedor do Prêmio Pulitzer], e lançado em português neste ano, tem 1.075 páginas e pesa 1,58 kg.

Napoleão, 926 páginas, 1,88 kg 
    Quem sabe as próximas edições em papel tenham uma solução gráfica melhor. Ou o negócio é apelar para a edição eletrônica na "Saraiva Readers", por exemplo, que sai pelo mesmo preço [se não estou enganado]. Mas aí você poderá ler no computador ou no tablete com o tipo de letra que mais te agrada e o tamanho de letra que você quiser!







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segunda-feira, 10 de agosto de 2015

515 DIAS DEPOIS, P(R)EGARAM UMA PEÇA?

Peça que seria do avião desaparecido, na Ilha Reunião

              "Uma única peça não significa nada",  protestou um parente chinês de uma 239 pessoas que estavam a bordo do Boeing 777, da Malaysia Airlines, que seguia para Pequim e perdeu contato com o controle de tráfego aéreo depois de deixar a capital malaia, Kuala Lumpur. O voo MH370 desapareceu às 2h40 de sábado, 8 de março de 2014  [15h40 de sexta-feira, horário de Brasília].

             As 239 pessoas estão desaparecidas desde então. No início de agosto, 515 dias após o sumiço do avião, surge nova esperança. ''É com o coração pesado que preciso dizer que uma equipe internacional de especialistas confirmou conclusivamente que os destroços da aeronave encontrados na Ilha Reunião pertencem de fato ao MH370", declara o primeiro-ministro da França. A justiça francesa é mais prudente e indica que "fortes evidências" levavam a crer que a peça era do MH370, "A peça é de um Boeing 777, devido às suas características técnicas ", diz Serge Mackowiak, vice-procurador da República, de Paris.  No último domingo, o destroço já havia sido identificado oficialmente como um pedaço de Boeing 777. Já a companhia Malaysia Airlines considera que a confirmação da origem da peça é um grande avanço para resolver o mistério do desaparecimento do voo. "Este é realmente um grande avanço para resolvermos o desaparecimento do MH370 e esperamos encontrar mais objetos que possam ajudar a esclarecer esse mistério", diz um comunicado da empresa aérea [à época do sumiço a empresa havia encerrado o assunto com uma espécie de "spam da morte", leia texto abaixo]. O objeto foi encontrado por funcionários que faziam a limpeza da costa. Investigadores foram chamados e a peça foi encaminhada imediatamente para exames.
              Especialistas australianos fizeram uma série de experimentos para simular a deriva das peças do avião da Malaysia Airlines baseando-se nas correntes oceânicas da área onde supostamente ele teria caído. As informações são da agência de notícias France Presse. que entrevistou especialistas para tentar entender porque o suposto destroço do voo MH370 foi achado na Ilha Reunião, quase em Madagascar, sul na África.               
              
              O que ocorre quando um avião cai no mar?         
              Quase sempre, algumas partes flutuam. A possibilidade de localizar essas peças na superfície diminui rapidamente durante as primeiras semanas após o acidente. Alguns destes fragmentos, menos permeáveis, flutuam por mais tempo, mas cada vez mais dispersos.

              Que tipos de fragmentos de avião podem flutuar?
              Objetos como almofadas, coletes salva-vidas ou tobogãs de evacuação de emergência são projetados para flutuar. Muitos outros materiais da cabine, como bandejas para alimentos, feitas de materiais sintéticos com uma baixa densidade, também flutuam, bem como vários componentes da estrutura da aeronave durante algum tempo.

              Quanto tempo flutuam tais objetos?
              Com o tempo, todos os destroços flutuantes absorvem água e afundam. Em alguns casos, o processo pode ser muito rápido. Por exemplo, objetos que flutuam por conter ar em seu interior afundam assim que esses espaços se enchem de água. Outras partes construídas com materiais menos permeáveis, tais como almofadas de assento, flutuam por um longo período, mas acabam afundando quando o material se decompõe, seja por processo químico ou mecânico. Essa decomposição pode demorar muito para alguns materiais sintéticos, particularmente para os plásticos, mas é mais rápida para os materiais biodegradáveis.

               É comum encontrar restos nos litorais?
              A dispersão está diretamente vinculada à deriva superficial de alguns pedaços, que depende de suas características físicas, tamanho, forma e densidade. Para que um fragmento chegue até a costa, deve flutuar durante tempo suficiente e estar sujeito a uma boa combinação de ventos e correntes.

             Pergunta que faço: Será que pregaram mais uma peça nos já sofridos familiares dos desaparecidos? Que convivem com mortos sem corpos? Só o tempo dirá.
         
 [Em tempo: havia a suspeita de que o piloto teria cometido suicídio, por terem encontrado jogos de computador que simulam voos, na casa do comandante da aeronave, em que várias vezes um avião se choca com o oceano. Mas nada é conclusivo, sem a caixa-preta, que revela todos os parâmetros do voo e ações dos pilotos]

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O SPAM DA MORTE

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terça-feira, 4 de agosto de 2015

NÓS E O "BECO DA BOSTA"


São Luis mudou o nome do Beco da Bosta
                                                       [versão atualizada, em agosto de 2016]

         Dar nome a avenidas, ruas, praças, pontes, viadutos, elevados, túneis, estradas e aeroportos é o "esporte" predileto de vereadores, prefeitos e governadores no Brasil todo -- principalmente se for de parentes. Como as ruas só podem ganhar nomes de mortos, trata-se de uma homenagem. Em geral, é uma iniciativa dos vereadores, que assim angariam votos no seu "curral eleitoral". Mas não só deles: a avenida Salim Farah Maluf e o túnel Maria Maluf revelam bem o espírito público das autoridades brasileiras, no caso o de um ex-prefeito paulistano [Paulo Maluf deu o nome do pai à Avenida Tatuapé e o da mãezinha querida ao complexo de dois túneis que ligam a Avenida dos Bandeirantes à Via Anchieta. Aliás, para agradar o primo mudou o nome da Avenida Água Funda, antiga trilha dos índios tupiniquins, para Ricardo Jafet]. Décadas atrás, prefeito por apenas "três dias", o vereador Brasil Vitta não perdeu tempo: mostrou todo o seu amor filial ao dar à Rua Islândia, no Jardim Europa (zona oeste), o nome de Angelina Maffei Vitta, imigrante italiana, reconhecida, sim, por seu trabalho na comunidade da Mooca (zona leste). A Islândia não tinha embaixada no país.

      Nomear locais foi, digamos assim, o "GPS das antigas", a forma que homem encontrou para ter pontos de referência em terra, para se localizar e marcar distâncias, para contar e preservar sua história ou a memória de um lugar ou acontecimento. No Brasil, para variar, a coisa foi distorcida. Em vez de preservar a história, as mudanças sucessivas e casuísticas de nomes de ruas tratam mesmo é de apagar a memória das cidades. Por exemplo, quando conheci pela primeira vez São Luis do Maranhão, no final dos anos 1970, a cidade histórica, todo o centro praticamente, tinha ruas com nomes muito curiosos, que contavam a vida no tempo da colônia -- ouvir um guia daquela época era divertido e instrutivo.

     Havia o Beco da Bosta, por exemplo. Ruela em descida leve, bem estreita, que no período colonial servia de passagem para os escravos levarem tonéis de excrementos das famílias da cidade e jogá-los na maré. Era o único modo de despejo à época, já que não havia rede de coleta de esgoto [e ainda não há, só que em vez de "tigres" ou "cabungos", como eram chamados esses negros escravos, agora são encanamentos que levam toda a merda ao mar]. Hoje apenas 10% do esgoto da São Luis é tratado antes de ser lançado ao mar ou rios. No dicionário, "cabungo" é um utensílio de madeira usado para recolher fezes. Também tem outro significado, mais cruel: sujeito irrelevante, ou sujo, e pessoa que não merece consideração. Hoje, quem passa pelo Beco da Bosta, não fica sabendo desse glorioso passado porque virou a Travessa 28 de Setembro, dia da assinatura da Lei do Ventre Livre. "É, os moradores não queriam mais ter esse nome", contou-me um taxista, há quatro anos. A verdade é que esconderam um fato histórico ruim por um menos ruim, "higienizaram" o nome, que é menos conectado ao cotidiano brutal da colônia.

Escravos desciam rua com tonéis de cocô

       O Beco do Quebra-Bunda também não existe mais. Despenhadeiro na esquina da Praça João Lisboa com a Rua Formosa (Afonso Pena), quem passava por ali corria o risco de cair no chão. Um engenheiro tentou resolver o problema das quedas, fazendo cortes na Rua João Vital. A obra não surtiu efeito. Hoje ninguém sabe ninguém viu, e o local é chamado de Beco da Pacotilha, devido ao fato de o prédio de azulejos verdes, na esquina, ter abrigado um famoso jornal do século 19. Já o Beco da Caga Osso ainda existe: devido a um italiano, cujo nome, Cagliostro, o ludovicense não conseguia pronunciar: passando a chamá-lo "Caga Oss".

       Em 8 de setembro, aniversário da São Luis, que tem mais de 400 anos, a prefeitura faria um bem se mudasse todas as placas do centro velho para manter a história viva. Na placa da Travessa 28 de Setembro deveria constar [antigo Beco da Bosta]. Isso deveria ser feito em todas ruas em que houve mudanças de nome no centro histórico, inclusive naquelas em que o velho nome não causa qualquer constrangimento ao morador. Os turistas ficariam gratos.

Erro de pronúncia gerou nome do Beco do Caga Osso

          Em São Paulo, a prática de apagar o passado também é feroz. Vamos às pontes: ponte Engenheiro Roberto Zuccolo? Você sabe qual é? É a velha Ponte Cidade Jardim. Zuccolo foi o "pai do concreto protendido" no Brasil. Mas por que virar nome de ponte, se já é nome de avenida? Todas pontes sobre os rios Pinheiros e Tietê deveriam ter só os nomes populares; pontes do Socorro, do Morumbi, Cidade Jardim, Cidade Universitária, Freguesia, Vila Maria...  A antiga Estrada da Boiada virou Diógenes Ribeiro de Lima, em Alto de Pinheiros (zona oeste). Por quê? Não tenho a menor ideia. Por exemplo, a Avenida Água Espraiada ganhou o nome de Jornalista Roberto Marinho em clara tentativa da ex-prefeita Marta Suplicy de ganhar apoio no noticiário da emissora de TV de maior audiência no país -- e que havia modernizado sua sede em São Paulo e mudado para a zona sul. A antiga Avenida Central, que dividia ao meio o Brooklin Novo, virou Padre Antonio José dos Santos (pároco que organizava no pátio de uma igreja a melhor festa junina do bairro). Com o perdão do padre, Avenida Central fazia mais sentido. Até 1931, antes da Segunda Guerra Mundial, no bairro do Campo Belo, reduto de imigrantes alemães, muitas ruas receberam nomes de líderes e empresários daquele país. A atual rua Gil Eanes chamava-se rua Adolf Hitler, até 1935 pelo menos, quando São Paulo absorveu o município de Santo Amaro. Alguém teve o bom-senso de tirar o nome do genocida.

         Como no Brasil há o péssimo hábito de mudar os nomes das ruas, vai-se destruindo boa parte da simbologia histórica contida na nomenclatura das ruas, atendendo a interesses políticos. Muitas ruas que tinham nomes que faziam alusão ao regime monárquico foram alteradas para nomes neutros ou republicanos, com o advento da República. Em 2015, a Prefeitura de São Paulo anunciou a intenção de alterar os nomes de 22 ruas que homenageiam a ditadura militar (1964-1985) ou pessoas ligadas à repressão. Os primeiros nomes a serem mudados seriam o da Avenida Golbery do Couto e Silva, um dos ideólogos do golpe de 1964, no Grajaú (zona sul), e o Viaduto 31 de Março (centro). A avenida passaria a chamar Padre Giuseppe Pegoraro. religioso ligado ao bairro, e o viaduto ganharia o nome de Thereza Zerbini, líder do Movimento Feminino pela Anistia, que lutava contra a ditadura.
       
Praça Marechal Deodoro antes do "Minhocão" 

          O Elevado Costa e Silva, o "Minhocão", passou a se chamar recentemente João Goulart, em homenagem ao ex-presidente deposto pelo golpe militar de 1964. O general Costa e Silva, ex-presidente durante a ditadura, foi que promulgou em 13 de dezembro de 1968 o AI-5, ato institucional que cassou direitos civis e políticos e aprofundou a censura e a repressão. Mais simbólico seria derrubar o "Minhocão", e tentar devolver à região a beleza quase européia que já teve [com uma diferença: com o novo nome -- que ironia -- seria como se Jango fosse derrubado pela segunda vez]. Na lista dos 22, generais, policiais e médicos legistas envolvidos, direta ou indiretamente, em desaparecimentos e torturas dão nomes a ruas paulistanas. Sinceramente, quem tortura e mata não mereceria dar nome a ruas e praças. Deveria estar só nos livros para não ser esquecido. Alguém vai dizer: como saber que o homenageado de hoje será a "persona non grata" de amanhã? Cada caso é um caso. Se querem ter seus nomes públicos, que tal ser criada a Praça dos Torturadores, perto da Rua Tutóia, onde existiu eficiente centro de torturas a oposicionistas. Ali sim faria sentido, poderia haver lá uma lista de quem manchou a história brasileira com sangue.

         É sempre bom lembrar que a queda ou o fim podre de um regime geralmente provoca mudanças. Quem era herói vira vilão e vice-versa. São Petersburgo tornou-se Leningrado com a Revolução Russa. Com o fim do comunismo, a população optou, em plebiscito, pela volta do nome original. Já Stalingrado passou a chamar-se Volgogrado em 1961, quando o sanguinário ditador Josef Stalin, responsável por milhares de mortes de supostos inimigos políticos, caiu em desgraça dentro do regime. Mas devido à famosa e sangrenta Batalha de Stalingrado, que praticamente definiu a Segunda Guerra Mundial na frente oriental, quando o Exército Vermelho resistiu e depois empurrou os nazistas até Berlim, há forte pressão para que Stalingrado volte aparercer nos mapas. Há alguns anos, o governo russo decidiu que o nome de Stalingrado deve ser mantido.                           
  
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