terça-feira, 25 de agosto de 2015

ESPÉCIES INVASORAS AMEAÇAM BIODIVERSIDADE

Mergulhadores têm ordem para matar o peixe-leão: praga no Caribe
     

               Ao longo da história, à medida que o homem foi se deslocando e povoando novas terras, diversas espécies de animais e plantas foram levadas, de modo intencional ou acidental, de seu ambiente de origem para ecossistemas de outras regiões do planeta. Esse processo, que teve seu primeiro grande impulso na colonização das Américas feita pelos navegadores europeus, é motivo hoje de muita preocupação para os biólogos. No mundo moderno globalizado, a melhoria e o uso intenso dos transportes por terra, mar e ar provocaram um notável aumento da velocidade com que pode ocorrer a bioinvasão de espécies exóticas em novos ambientes, a ponto de pesquisadores considerarem uma ameaça à biodiversidade da Terra. O motivo: essas espécies exóticas invasoras tendem a desequilibrar ecossistemas, provocando até a extinção de espécies nativas, empobrecendo a fauna e a flora, além de causar prejuízos à economia e riscos à saúde humana.

      Por “espécie invasora” deve-se entender aquela que, natural de determinada região, penetra (ou é introduzida) em outra onde não existia anteriormente, adapta-se bem, prolifera-se sem controle e ameaça ou leva ao extermínio de espécies nativas. Um caso clássico de desastre desse tipo aconteceu na década de 1980 no Brasil. O caramujo gigante africano foi trazido ao país para ser uma iguaria vendida a preço mais baixo que o escargot francês. Como não caiu no gosto do consumidor nos restaurantes, os criadores se livraram dos moluscos, soltando-os em qualquer lugar. O caramujo africano, que pode colocar até 200 ovos por vez,  rapidamente se espalhou pelo país, causando danos a plantações e transmitindo doenças.

        Episódio semelhante aconteceu nos Estados Unidos com a cobra píton. Importada da Ásia como bicho de estimação, a píton é protagonista de um grave desequilíbrio ambiental nos pântanos do sul da Flórida. Como atingem até 5 metros de comprimento, muitas delas foram soltas na natureza por seus proprietários. Elas se reproduziram com facilidade no Parque Nacional de Everglades, que registrou então forte declínio nas populações de guaxinins, gambás, coelhos, veados e linces nativos nos últimos 10 anos. “Uma área só pode ser regenerada se os invasores forem retirados a tempo. Depois que o problema se instala e alcança grandes proporções, é muito difícil reverter”, alerta o biólogo Giuseppe Puorto, de 61 anos, diretor do Museu Biológico do Instituto Butantan, em São Paulo. “Para reduzir a quantidade de pítons, as autoridades têm liberado sua caça, sem muito sucesso”, diz.

     
Ex-pet, píton gigante toma Flórida: autorização de caça não reduz população

       Moradores da Flórida também são suspeitos de provocar outra catástrofe ecológica. O vistoso peixe-leão, originário dos oceanos Pacífico e Índico, foi solto no Atlântico por donos de aquários ornamentais caseiros na década de 1980. Sem um predador eficiente – e por ser um voraz devorador de peixes pequenos, crustáceos e ouriços --, o peixe-leão avançou como uma praga pelo mar do Caribe, dominando recifes de corais nas ilhas Bahamas, St. Marteen, Los Roques e Bonaire, pondo em risco outras espécies. Atualmente, mergulhadores cadastrados são autorizados a matar qualquer peixe-leão que encontre pela frente em águas caribenhas. Para essa tarefa, eles utilizam um arpão batizado ELF (Eradicate Lion Fish).

      Do Caribe, aliás, vieram as pererecas-assobiadoras que tiraram o sono de paulistanos que moram no bairro nobre do Brooklin no ano passado. Um estrangeiro teria trazido exemplares do minúsculo anfíbio, encontrado nas Antilhas e em Porto Rico. Por não suportar o barulho que o macho faz à noite para atrair a fêmea durante o período de reprodução, que vai de outubro a abril, ele teria tomado a pior atitude: jogado as pererecas num bueiro. “Nunca se deve soltar espécies exóticas”, diz Puorto. O Brooklin não tem cobras e ratos suficientes para  conter uma explosão populacional das pererecas, que precisam ser, uma a uma, capturadas.

    Há, porém, casos de espécies exóticas invasoras que se proliferam de modo acidental, com efeitos igualmente negativos. Um exemplo: o mosquito Aedes aegypti, vetor da dengue, que chegou ao país em barris de água de navios negreiros vindos da África. O mosquito é até hoje um problema de saúde pública. Por outro lado, o tráfico de escravos feito nos séculos 18 e 19 pelo Brasil é apontado como responsável também por uma bioinvasão “do bem”, a do mexilhão Perna perna, que veio em incrustações nos cascos da frota negreira, se acomodou às comunidades biológicas nativas e foi incorporado à cultura nacional.

     Mas existe também o “mexilhão do mal”, de água doce, presente nas bacias dos rios da Prata (desde 1991) e Paraná (desde 1998). Chamado mexilhão dourado (Limnoperna fortunei), esse molusco exótico gera problemas para as hidrelétricas, como a de Itaipu, desde 2001. Para evitar entupimentos nas tubulações dos trocadores de calor (por onde passa a água que resfria o óleo que lubrifica as turbinas), técnicos precisam limpar o encanamento periodicamente: gás ozônio é usado para impedir que o molusco se fixe nos dutos. A prevenção é importante para evitar que o mexilhão alcance outros rios, prejudicando a captação de água para irrigação e consumo humano, e danificando equipamentos de piscicultura. Natural de rios da China e sudoeste asiático, o mexilhão dourado gosta de estruturas metálicas submersas. A infestação está sob controle, mas não se conhece ainda um jeito veloz de acabar com o molusco, que chegou por acidente ao continente sul-americano, na água usada como lastro de navios.

      Um erro de manejo resultou no caso mais famoso de bioinvasão de uma espécie exótica nas Américas. Foi em 1957, com abelhas africanas trazidas para o Brasil um ano antes. À época, havia o interesse dos apicultores em melhorar a produção de mel. Até então o mel era feito com abelhas europeias. As abelhas africanas são mais produtivas e suportam melhor as alterações do clima. Uma fatalidade, porém, permitiu a enxameação de 26 colméias de abelhas africanas. Do interior paulista, de onde escaparam, elas alcançaram os EUA. “O problema é que são muito agressivas, atacam tudo o que consideram ameaça. Além disso, do cruzamento com abelhas européias, houve a proliferação da abelha africanizada”, diz Puorto.
 
Pererecas-assobiadoras: inferno no Brooklin, zona sul de São Paulo
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