Mergulhadores têm ordem para matar o peixe-leão: praga no Caribe |
Ao longo da história, à medida que o homem foi se deslocando e povoando novas terras, diversas espécies de animais e plantas foram levadas, de modo intencional ou acidental, de seu ambiente de origem para ecossistemas de outras regiões do planeta. Esse processo, que teve seu primeiro grande impulso na colonização das Américas feita pelos navegadores europeus, é motivo hoje de muita preocupação para os biólogos. No mundo moderno globalizado, a melhoria e o uso intenso dos transportes por terra, mar e ar provocaram um notável aumento da velocidade com que pode ocorrer a bioinvasão de espécies exóticas em novos ambientes, a ponto de pesquisadores considerarem uma ameaça à biodiversidade da Terra. O motivo: essas espécies exóticas invasoras tendem a desequilibrar ecossistemas, provocando até a extinção de espécies nativas, empobrecendo a fauna e a flora, além de causar prejuízos à economia e riscos à saúde humana.
Por “espécie
invasora” deve-se entender aquela que, natural de determinada região, penetra (ou
é introduzida) em outra onde não existia anteriormente, adapta-se bem,
prolifera-se sem controle e ameaça ou leva ao extermínio de espécies nativas.
Um caso clássico de desastre desse tipo aconteceu na década de 1980 no Brasil.
O caramujo gigante africano foi trazido ao país para ser uma iguaria vendida a
preço mais baixo que o escargot francês. Como não caiu no gosto do consumidor
nos restaurantes, os criadores se livraram dos moluscos, soltando-os em
qualquer lugar. O caramujo africano, que pode colocar até 200 ovos por vez, rapidamente se espalhou pelo país, causando
danos a plantações e transmitindo doenças.
Episódio semelhante
aconteceu nos Estados Unidos com a cobra píton. Importada da Ásia como bicho de
estimação, a píton é protagonista de um grave desequilíbrio ambiental nos
pântanos do sul da Flórida. Como atingem até 5 metros de comprimento, muitas delas
foram soltas na natureza por seus proprietários. Elas se reproduziram com
facilidade no Parque Nacional de Everglades, que registrou então forte declínio
nas populações de guaxinins, gambás, coelhos, veados e linces nativos nos
últimos 10 anos. “Uma área só pode ser regenerada se os invasores forem
retirados a tempo. Depois que o problema se instala e alcança grandes
proporções, é muito difícil reverter”, alerta o biólogo Giuseppe Puorto, de 61
anos, diretor do Museu Biológico do Instituto Butantan, em São Paulo. “Para reduzir
a quantidade de pítons, as autoridades têm liberado sua caça, sem muito
sucesso”, diz.
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Moradores
da Flórida também são suspeitos de provocar outra catástrofe ecológica. O vistoso
peixe-leão, originário dos oceanos Pacífico e Índico, foi solto no Atlântico por
donos de aquários ornamentais caseiros na década de 1980. Sem um predador
eficiente – e por ser um voraz devorador de peixes pequenos, crustáceos e
ouriços --, o peixe-leão avançou como uma praga pelo mar do Caribe, dominando recifes
de corais nas ilhas Bahamas, St. Marteen, Los Roques e Bonaire, pondo em risco outras espécies.
Atualmente, mergulhadores cadastrados são autorizados a matar qualquer
peixe-leão que encontre pela frente em águas caribenhas. Para essa tarefa, eles
utilizam um arpão batizado ELF (Eradicate Lion Fish).
Do Caribe, aliás,
vieram as pererecas-assobiadoras que tiraram o sono de paulistanos que moram no
bairro nobre do Brooklin no ano passado. Um estrangeiro teria trazido exemplares
do minúsculo anfíbio, encontrado nas Antilhas e em Porto Rico. Por não suportar
o barulho que o macho faz à noite para atrair a fêmea durante o período de
reprodução, que vai de outubro a abril, ele teria tomado a pior atitude: jogado
as pererecas num bueiro. “Nunca se deve soltar espécies exóticas”, diz Puorto. O
Brooklin não tem cobras e ratos suficientes para conter uma explosão populacional das
pererecas, que precisam ser, uma a uma, capturadas.
Há, porém,
casos de espécies exóticas invasoras que se proliferam de modo acidental, com
efeitos igualmente negativos. Um exemplo: o mosquito Aedes aegypti, vetor da dengue, que chegou ao país em barris de
água de navios negreiros vindos da África. O mosquito é até hoje um problema de
saúde pública. Por outro lado, o tráfico de escravos feito nos séculos 18 e 19 pelo
Brasil é apontado como responsável também por uma bioinvasão “do bem”, a do
mexilhão Perna perna, que veio em incrustações nos cascos da frota negreira, se
acomodou às comunidades biológicas nativas e foi incorporado à cultura
nacional.
Mas existe também o “mexilhão do mal”, de água
doce, presente nas bacias dos rios da Prata (desde 1991) e Paraná (desde 1998).
Chamado mexilhão dourado (Limnoperna
fortunei), esse molusco exótico gera problemas para as hidrelétricas, como
a de Itaipu, desde 2001. Para evitar entupimentos nas tubulações dos trocadores
de calor (por onde passa a água que resfria o óleo que lubrifica as turbinas),
técnicos precisam limpar o encanamento periodicamente: gás ozônio é usado para
impedir que o molusco se fixe nos dutos. A prevenção é importante para evitar
que o mexilhão alcance outros rios, prejudicando a captação de água para
irrigação e consumo humano, e danificando equipamentos de piscicultura. Natural
de rios da China e sudoeste asiático, o mexilhão dourado gosta de estruturas
metálicas submersas. A infestação está sob controle, mas não se conhece ainda
um jeito veloz de acabar com o molusco, que chegou por acidente ao continente sul-americano, na água usada como
lastro de navios.
Um erro de manejo resultou no caso mais famoso
de bioinvasão de uma espécie exótica nas Américas. Foi em 1957, com abelhas
africanas trazidas para o Brasil um ano antes. À época, havia o interesse dos
apicultores em melhorar a produção de mel. Até então o mel era feito com
abelhas europeias. As abelhas africanas são mais produtivas e suportam melhor as
alterações do clima. Uma fatalidade, porém, permitiu a enxameação de 26
colméias de abelhas africanas. Do interior paulista, de onde escaparam, elas alcançaram
os EUA. “O problema é que são muito agressivas, atacam tudo o que consideram ameaça.
Além disso, do cruzamento com abelhas européias, houve a proliferação da abelha
africanizada”, diz Puorto.
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