O avanço da dengue nas cidades paulistas |
[versão atualizada]
Com quase 750 mil casos no Brasil, a epidemia de dengue está de volta. Desta vez com maior força em São Paulo, onde a doença já atingiu 499,8 mil pessoas -- mais de 50% das notificações feitas em todo o país. Acre, Goiás, Tocantins, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte e Paraná são os outros Estados onde também houve o registro de mais de 300 casos por 100 mil habitantes, padrão internacional que define epidemia. Até 18 de abril, dados fechados mais recentes, aconteceram 229 mortes, 165 em SP. segundo o Ministério da Saúde. A pergunta que não quer calar: por quê? A resposta mistura a crise da água na capital paulista e na Grande SP, o surgimento de casos em cidades onde nunca houve dengue, a imprudência e falta de conscientização da população e a ação tímida ou ineficiente dos municípios após a descentralização do controle da dengue em São Paulo.
“Muita gente armazenou água para enfrentar o desabastecimento na Grande
São Paulo, talvez de modo inadequado. Com a chegada do verão houve uma
infestação maior do mosquito transmissor do vírus. E menos controle das pessoas
em relação aos focos do Aedes aegypti”, suspeita a bióloga Tamara
de Lima Câmara, pesquisadora do departamento de epidemiologia da Faculdade de
Saúde Pública da USP. Além disso, a rigor -- desde 1985, quando a dengue
ressurgiu no Rio de Janeiro de forma endêmica -- São Paulo enfrenta a sua
primeira grande epidemia, do sorotipo 1, e a população tem baixa imunidade
[existem quatro tipos de dengue: quem adoece fica imunizado para sempre em
relação àquele sorotipo].
Mosquito transgênico: nova arma?
Outro fator para a “explosão
paulista” de casos é o aumento expressivo da presença do mosquito ter
coincidido com a descentralização do combate à dengue no Estado. “Teve
prefeitura que conseguiu se organizar, outras não. Se a cidade vizinha tem
problemas, se depende muito de outras esferas de governo, isso afeta a todos,
porque o mosquito não respeita limites geográficos”, analisa Gisela Monteiro
Marques, pesquisadora da Sucen (Superintendência de Controle de Endemias) de
São Paulo. “Ainda temos deficiências de saneamento e na coleta de lixo”, aponta
ela. Por isso, são necessárias campanhas de prevenção vigorosas. Sabe-se que
80% dos casos ocorrem dentro das casas por falta de combate aos criadouros do
inseto -- que gosta de água limpa e parada para se reproduzir, voa baixo e
geralmente pica pés, tornozelos e pernas, de manhã e no fim da tarde.
Cidade mais populosa do Império, o Rio de Janeiro foi palco da primeira epidemia de dengue no país, em 1846. O Aedes aegypti havia “desembarcado” em território brasileiro de forma acidental, trazido por navios negreiros oriundos da África. O mosquito -- que gostou do clima nativo, do calor e das chuvas típicas das regiões tropicais e subtropicais -- foi responsável então por surtos da febre amarela urbana – uma doença que foi considerada extinta nos anos 1940, após intensa campanha de combate ao mosquito, que incluiu até o Exército, com soldados entrando de casa em casa para varrer o inseto no Rio. Quatro décadas depois, a partir de 1985, a capital fluminense passou por seguidos surtos dos vários tipos de dengue e, por isso, desta vez tem baixa notificação.
Por ameaçar 2,5 bilhões de pessoas em mais de 100 países, a dengue também gera preocupação internacional. Para parte da comunidade científica, com o surgimento na Ásia e na América Latina de enormes conglomerados urbanos caóticos, o mundo terá que conviver com epidemias até a “solução final”, a descoberta de uma vacina capaz de proteger contra os quatro tipos da dengue. “É impossível erradicar o mosquito da dengue nos grandes centros urbanos, populosos e desorganizados”, diz Tamara Câmara, referindo-se à importância de uma vacina. O Brasil é um dos países que tenta fabricá-la, num trabalho de pesquisa do Instituto Butantan. Neste cenário, sem vacina, o alvo principal do combate à dengue continua a ser o mosquito Aedes aegypti, ora tentando enfraquecê-lo ora tentando reduzir sua população.
Em parceria internacional, a Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) testa desde setembro passado um modo de anular o transmissor da dengue por meio de uma técnica desenvolvida na Austrália. Trata-se da soltura de milhares de mosquitos Aedes aegypti que receberam em laboratório uma cepa da bactéria Wolbachia, originária da mosca-das-frutas, que bloqueia o vírus e impede a transmissão da dengue.
Presente em 60% dos insetos, como mariposas, borboletas e besouros, a bactéria não oferece risco à saúde humana ou ao ambiente, segundo os pesquisadores, e se espalha na medida em que os mosquitos se reproduzem. Detalhe: por ser uma bactéria intracelular, a Wolbachia só pode ser transmitida de “mãe para filho” na reprodução dos mosquitos, e não pela picada do Aedes no ser humano. Os testes de campo da Fiocruz estão sendo feitos no bairro de Tubiacanga, na Ilha do Governador, no Rio. Embora ainda sem resultados definitivos, os cientistas da Fiocruz enfatizam que esse método – testado em outros países pelo programa “Eliminar a dengue: nosso desafio”, com recursos da Fundação Bill & Melinda Gates -- utiliza uma estratégia natural, de longo prazo, sem riscos e auto-sustentável.
Cidade mais populosa do Império, o Rio de Janeiro foi palco da primeira epidemia de dengue no país, em 1846. O Aedes aegypti havia “desembarcado” em território brasileiro de forma acidental, trazido por navios negreiros oriundos da África. O mosquito -- que gostou do clima nativo, do calor e das chuvas típicas das regiões tropicais e subtropicais -- foi responsável então por surtos da febre amarela urbana – uma doença que foi considerada extinta nos anos 1940, após intensa campanha de combate ao mosquito, que incluiu até o Exército, com soldados entrando de casa em casa para varrer o inseto no Rio. Quatro décadas depois, a partir de 1985, a capital fluminense passou por seguidos surtos dos vários tipos de dengue e, por isso, desta vez tem baixa notificação.
Por ameaçar 2,5 bilhões de pessoas em mais de 100 países, a dengue também gera preocupação internacional. Para parte da comunidade científica, com o surgimento na Ásia e na América Latina de enormes conglomerados urbanos caóticos, o mundo terá que conviver com epidemias até a “solução final”, a descoberta de uma vacina capaz de proteger contra os quatro tipos da dengue. “É impossível erradicar o mosquito da dengue nos grandes centros urbanos, populosos e desorganizados”, diz Tamara Câmara, referindo-se à importância de uma vacina. O Brasil é um dos países que tenta fabricá-la, num trabalho de pesquisa do Instituto Butantan. Neste cenário, sem vacina, o alvo principal do combate à dengue continua a ser o mosquito Aedes aegypti, ora tentando enfraquecê-lo ora tentando reduzir sua população.
Em parceria internacional, a Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) testa desde setembro passado um modo de anular o transmissor da dengue por meio de uma técnica desenvolvida na Austrália. Trata-se da soltura de milhares de mosquitos Aedes aegypti que receberam em laboratório uma cepa da bactéria Wolbachia, originária da mosca-das-frutas, que bloqueia o vírus e impede a transmissão da dengue.
Presente em 60% dos insetos, como mariposas, borboletas e besouros, a bactéria não oferece risco à saúde humana ou ao ambiente, segundo os pesquisadores, e se espalha na medida em que os mosquitos se reproduzem. Detalhe: por ser uma bactéria intracelular, a Wolbachia só pode ser transmitida de “mãe para filho” na reprodução dos mosquitos, e não pela picada do Aedes no ser humano. Os testes de campo da Fiocruz estão sendo feitos no bairro de Tubiacanga, na Ilha do Governador, no Rio. Embora ainda sem resultados definitivos, os cientistas da Fiocruz enfatizam que esse método – testado em outros países pelo programa “Eliminar a dengue: nosso desafio”, com recursos da Fundação Bill & Melinda Gates -- utiliza uma estratégia natural, de longo prazo, sem riscos e auto-sustentável.
Mosquito transgênico: nova arma?
O esforço mundial antidengue já emprega também uma arma tanto inovadora
quanto polêmica: o mosquito Aedes aegypti transgênico. Criado em laboratório,
trata-se do Aedes macho geneticamente
modificado (“gm”), que não pica. Ele tem um gene defeituoso, estéril. Soltos
aos milhares em determinada área, os “gm” conseguem monopolizar o período
fértil das fêmeas na competição com o Aedes
aegypti silvestre. O resultado da infestação pelo mosquito “gm” é notável:
as fêmeas geram uma prole menos saudável, que morre antes da fase adulta. Assim
a população do mosquito original da dengue cai de forma drástica e o risco de
epidemia fica bem reduzido.
Essa estratégia já
foi testada no Panamá, Ilhas Cayman e Malásia. No Brasil, com autorização da
Comissão Técnica Nacional de Biosegurança, houve testes em bairros de Juazeiro
e Jacobina, no sertão baiano, em 2014, com redução de até 90% da presença do
mosquito transmissor. Mas pesquisadores vêem riscos: há receio de que a
alteração do DNA do inseto dê origem a uma superbactéria, ou que uma mutação do
vírus cause uma doença mais potente que a dengue. Sem falar de eventuais danos
ambientais e agrícolas imprevisíveis.
A empresa
britânica Oxitec, fabricante do mosquito transgênico e responsável pelos
experimentos na Bahia, diz que o método é seguro. Abriu sede em Campinas (SP) e
negocia com prefeituras. Após acordo com o Ministério Público, Piracicaba
iniciou em 30 de abril a soltura de dois milhões de mosquitos geneticamente
modificados no bairro Cecap. Foi o primeiro município paulista a adotar o
“Aedes do bem” contra o Aedes aegypti.
A promotoria exigiu garantias e impôs regras. “O mosquito transgênico é
interessante. O problema é que é preciso soltar periodicamente milhões de
mosquitos transgênicos, porque o Aedes silvestre nunca é
eliminado por completo, e volta a se reproduzir”, afirma Gisela Marques.
Nos EUA, porém,
uma petição assinada por 130 mil moradores das Ilhas Keys, na Flórida, impediu
em janeiro a liberação de três milhões de mosquitos transgênicos no combate à
dengue. Lá a questão depende de uma decisão da Food and Drug Administration (FDA).
A cada dia, uma
nova pesquisa aponta um modo diferente de abater o mosquito. Em Manaus,
pesquisadores do Instituto Leônidas e Maria Deane, ligado à Fiocruz, e do
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia anunciaram em abril a descoberta de
outro jeito de reduzir a população do Aedes
aegypti. As fêmeas do inseto são atraídas até baldes, chamados de “estações
de disseminação”, tratados com inseticida. Ali entram em contato com o pó do
inseticida, que gruda em seu corpo e é levado até os criadouros mais
inacessíveis aos agentes de saúde, matando as larvas antes de seu estágio
adulto. Por sua vez, cientistas da Ufscar descobriram que a curcumina, molécula
presente no tempero de açafrão, prejudica o crescimento das larvas do Aedes
aegypti, impedindo também que cheguem à fase adulta.
Há quem diga
que está próximo o dia em que será anunciada a vacina contra a dengue. Mas até
o momento, o campo da maior batalha contra epidemias não está nos laboratórios.
Fica dentro de casa: é qualquer local, objeto ou planta que armazene água limpa
e parada.
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