Busca de amor improvável: uso de site como instrumento |
Claudia está irritada. Morena de olhos verdes, 42 anos, sem filhos, passaporte bem carimbado, nível educacional acima da média, tenta a sorte num site de encontros na internet e bate com a cara contra o muro. A realidade virtual parece ser o cenário ideal para inúmeras ficções, às vezes até repetidas à exaustão.
São 20h13, e ela está na rede social em busca de um "amor", sabe-se lá o que ela entende por isso. "Aqui? O meu lugar é bem longe daqui", logo descobre. "Estou pasma. Um babaca, que tinha me enviado mensagens no skype, me perguntou: "Onde você está, que nunca me responde?" Me encheu de elogios, blablabla. Daí hoje ele disse: "Ué, você sumiu..." Ao que eu respondi: "U2". E ele retruca: "O que é isso? Vai a merda, vai!" Ela ri, ao revelar a incontinência verbal daquele homem, e diz: "Não tive outra alternativa. Chamei-o de grosso e analfabeto, também mandei ele pra lá, e apaguei-o da minha lista. Bien sûre. Dá pra acreditar?", pergunta a si mesmo. "Não entendi, por que me mandou à merda." São 20h26. "Agora fiquei brava. O meu dedo só vai para o 'bloquear'. Já bloqueei uns 10 hoje. Fora da idade? Bloqueado. Sem foto? Bloqueado. Analfa? Bloqueado. De bem com a vida? Bloqueado. Eles não se dão ao trabalho de ler o meu perfil, tão curtinho", protestou. Foi a vingança dela após ouvir uma agressão aparentemente gratuita.
São 20:37. "Eu acho que ele pirou, mesmo. Não entendeu, se sentiu inferior, chutou o pau da barraca". Em duas mensagens que troquei com ele, escreveu "rocho" e "serrado" (região, vegetação). Tadinho. Já devia ter mandado para guilhotina antes. Sobreviveu para me 'chingar'. Brincadeirinha [risos], xingar! São 20:37. "Cansada dessa população masculina neste site. Acho que vou virar de lado. Tenho quase certeza que as mulheres são muito mais interessantes. Confirma?"
Um deles, chefe de um departamente importante do Hospital das Clínicas, me mandou um link com imagens da entrevista de lançamento do seu último livro em um programa de TV. "Um cara mais velho, muito interessante. Almocei com ele, me mandou várias mensagens, mas no final arregou. Disse algo assim, te achei um encanto, mas só estou interessado em um jantar, um vinho, um 'affair'. Você merece mais do que isso. OK, foi meio babaca, mas pelo menos sincero. E me deixou com o ego no lugar".
"Com o outro troquei poucas mensagens. Já quis ir para o café. Ou melhor, vinho. Sugeria lugares assim: conheço um bar... Tem outro assim... Sabe aquela forçação para parecer descolado? Desconfiei. Escolhi um lugar tipo boteco (mas do meu gosto). Ele me pareceu mais almofadinha e mais chato que um TFP. Advogado famoso, escritoriozão no Jardim América. Na saída, ficou mendingando um elogio meu. Nada a ver. Queria porque queria me dar carona até o meu carro. Alarme novamente: terá problemas de ereção? Nessa idade, o carro já não deveria importar tanto. A menos que seja um Porsche. Nem liguei. Me mandou umas mensagens, respondi meio assim, ele também foi meio assado. Meio tosco. Até soltar a pérola: "Então, quando. vamos dar uns amassos?" Sem comentários. Que conexão interessante: carro com problemas de ereção. É um típico pensamento feminino. "Quando vamos dar uns amassos?", repete a pergunta do sujeito e agora sim ela gargalha, de forma jocosa.
São 17h50. Do dia seguinte. "Deixei a terceira história para o gran finale. Mas só quando você [eu] reaparecer". São 17h53. Casados? "Não, todos divorciadíssimos. Talvez o médico tenha me enganado, mas já era, e também não rolou nada, porque ele pulou fora", diz ela. A terceira história é bem mais "heavy". Poderia ser o início de um episódio de "Relatos Selvagens", o filme. Várias mensagens, tom normal, até ele dizer algo do tipo "gente tão burra que tenho vontade de esgoelar". "OK, explosão tipicamente latina. Depois de comentar que ia para a academia gastar toda a adrenalina para não socar a gente estúpida com quem trabalhava. Huumm... Já achei esquisito. Depois fiz uma brincadeira light e ele disse 'shot to fast'. Huuuuummmmmm... Desconsiderei: 97% de afinidade, dizia o site [hahaha], já não considero mais essa droga, depois dessa. Afinidade quase zero. O cara trabalha com vinhos, fez questão de levar uma garrafa para o restaurante".
Na chegada, começou a falar de política, meter o pau na presidente. "Pedi para mudarmos de assunto. Ele chiou, dizendo que a política faz parte de nossas vidas, blablabla, eu sugeri outro tema, passou. Quando estávamos na sobremesa, ele contou-me de um amigo espanhol que numa festa tinha aberto 10 mil euros em vinhos. OK. Eu fiz uma gracinha, tipo 'não se esqueça que os espanhóis são mestres em contar vantagem', ou 'something like that'. O cara me chamou de leviana. Pedi para ele repetir, e ele o fez, em alto e bom som".
São 18h16. "Perguntei se ele tinha aprendido aquela palavra no debate [de candidatos a presidente]. Ele começou a espumar. Disse que já sabia que não ia dar certo, que isso, que aquilo. mas com uma agressividade muito mal contida. O garçom passou, pedi a conta. Peguei o celular e comecei a teclar. Ele não parou de falar, me disse tantos absurdos que deletei a maioria. Os olhos dele estavam diabólicos. Me perguntou se fazia tempo que estava no site. Eu disse que não era da conta dele, mais nada sobre mim era da conta dele. Ele me disse, então: "Não se preocupe, vai arrumar logo esse trouxa que você procura". Comecei a gargalhar... [será que foi algum tipo de maldição?!].
O garçom chegou, dei o meu cartão para pagar a metade. Me levantei e disse: "Gostaria de poder dizer que foi um prazer. Mas estaria mentindo. Mas tenha certeza de que nunca te esquecerei. Você foi o homem mais desagradável com quem saí na minha vida". Saí andando, mas dei uma voltinha e completei: "Ah, não abandone a terapia nunca".
São 18h17. "Fiquei uns doia dias com um mal-estar. Juro, meio possuída por essa energia tão negativa que ele me passou. Fui dar um Google, quando cheguei em casa. Nada mais nada menos, era um ex-diretor de uma grande empresa americana de distribuição de energia elétrica. Demitiu-se há uns cinco anos. Isso corrobora com a minha teoria já quase obsoleta: "Se você tirar o cartão corporativo de alguns homens, não sobra nada!"
"Agora estou no flerte com um fotógrafo que acaba de liberar o nome e também é bem famoso. Disse que quer me fotografar [hahaha]. Que as minhas fotos são de "computador", que pode melhorá-las. Que acha?! Eu disse que apesar de caseiras, elas têm dado um ótimo resultado [risos]".
Claudia foi [des]afortunada com pessoas de 56 a 62 anos. Dois encontros ao vivo fracassaram: um desistiu, e o outro só faltou agredi-la fisicamente. Com um terceiro, a coisa desandou já na rede: houve bate-boca e um quarto veio com aquela velha conversa de "melhorar as fotografias. Claudia desistiu... pelo menos de usar o tal site como instrumento de busca de um amor idealizado.
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