Uma agulha no palheiro. Informação selecionada e às vezes comentada, histórias do dia a dia dos mortais, crônicas e tudo aquilo que mexe com o humor de um jornalista inconformado
quarta-feira, 17 de agosto de 2016
COMO UM CUBO DE GELO
De repente, ela começou a desdizer tudo o que já havia dito e fazer aquilo que não parecia capaz de fazer. De repente, o que era quente virou frio, o que era uma explosão de cores não passava de um preto e branco, o que era flex ficara duro, o que era calma agora apressava, o que fora tolerância pintava impaciência, o que era irrelevante ganhara importância, o que era notável causava indiferença, o que era acolhedor já se tornara inóspito, o que tinha valor por ser simples transformara-se em solução pobre, o que era soberba virara qualidade. O que tinha gosto de camarão agora mal cheirava arroz e feijão. Como um carvão em brasa se desmanchava assim como um cubo de gelo?
De repente, tudo muito de repente. Tão de repente que parecia intencional. O que estivera cheio [de amor], assim da noite para o dia, era um imenso vazio. Por que aquilo que fazia sentido agora era incompreensível? Como palavras claras tornaram-se um dialeto inaudível. De repente, a surdez aguda. De repente, a rigidez sem apelação. Em vez afeto, desatenção e desdenho. Certa vez, havia dito que se alguém gosta de alface e o outro de tomate e cebola, por que não servir salada de alface, com tomate e cebola? Por quê, por quê, se tudo antes era passível de conversa e o qual gesto ou palavra [ele não sabe bem o quê] agora tinha sido a gota d'água?
Às vezes, então ele se pergunta, onde estará ela? [Ela quem?, você me pergunta?]. Aquela que o roubou dele mesmo. Às vezes, indaga-se: onde estará ela, a outra? [Que outra? Lá vem você, minha consciência] Aquela que devolveu a alegria e permitiu a euforia àquele rapaz. Às vezes, ele acha que ela não existirá mais, que ela nunca existiu, na verdade. Às vezes, ela ainda parece estar tão perto... O que faltou para que essa novidade apagasse de vez aquela antiga [tristeza] com sua magia sorridente, sim, sem voltar para a "prateleira"? Ele se lembrou de Clarisse Lispector e o seu pessimismo sobre a condição humana: "Cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro".
Vai uma caipirinha ou um dry martini? Por que ela voltou à "prateleira"? Amigos, o tempo dirá, na cor sépia? Se renascer é como sair do armário sem olhar para trás, como serão amigos? Ou essa "solução" só é mais uma terrível forma de dizer de adeus... até que a brisa sopre leve outra vez e tudo volte a ser possível. Tudo!
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