terça-feira, 23 de agosto de 2016

DOCE CATIVEIRO



              Eram 9h da manhã de um domingo que começara ensolarado. O galo já havia cantado e o sino da igreja já dera várias badaladas. O rapaz mal acordara de uma noitada daquelas. Depois de bebericar e conversar horas a fio degustando bolinho de bacalhau com a mulher que gostava loucamente, foram para casa, onde se amaram como sempre. Da sintonia mágica, ironizavam: "Definitivamente, a gente não se entende!" Na casa da moça, ele já estava à vontade, como num recanto predileto, um descanso para o corpo e para a alma. Não por luxo, embora a casa fosse confortável, mas porque ali não sentia-se como as pessoas nascem e morrem [e muitas vezes vivem]: sozinhas. Ali estava ela inteira. E ele idem. Ali havia tantas carícias quanto confidências, tanto suor quanto sonhos. Ali a realidade ganhava novas dimensões e possibilidades. Ali se contornavam -- pelo menos no jorro dos pensamentos e na avalanche dos corpos -- os impedimentos. Ali, juntos, era como se a vida ganhasse mais energia. Pareciam dois adolescentes testando sabores novos e cores improváveis. Por isso, ele cortava a cidade sem vacilar, percorrendo 20 km, ora cansado ora triste com as condições, nem sempre favoráveis, que a vida lhe impunha. Por que ali até o silêncio era um sinal de alegria... Puft!
            De repente, um susto! Toca a campainha. No portão, está a mãe daquela moça madura, aos olhos dele exuberante e generosa. Como no cinema, ele pula da cama, pega as roupas e tudo que pudesse dedar a sua presença ali, vai para um dos quartos do sobrado sem dar um pio, em segundos. "Mas ela não tinha dito que jamais viria alguém de surpresa? Ainda mais tão cedo", pensa, enquanto a adrenalina percorre seu corpo. Passa 40 minutos cativo, sem quase se mexer, sem tossir, sem respirar forte, sem dar um espirro, sem um ruído.
           O que diria se aquela senhora subisse e, por acaso, ele acabasse de algum modo flagrado escondido trancado naquele cômodo como um adolescente assustado? "Me desculpe, amo sua filha, quero morar com ela, quero que seja a minha esposa!", imaginava, rindo por dentro diante da situação inusitada e inesperada. No fundo, até gostaria que assim fosse, mas não desse modo. Ainda não havia perdido de todo o juízo. Ou então, mesmo depois dos 40 anos, inventaria uma história da carochinha? "Bom dia, não é nada disso o que a senhora está pensando. Saímos ontem, passei mal e sua filha sugeriu que dormisse aqui" [só não saberia explicar por que aceitara a sugestão tão prontamente e de bom grado]. O rapaz tinha certeza de que a mentirinha não iria colar, mas pelo menos era uma saída honrosa, ainda que com um inevitável constrangimento. "Já estava indo embora, já estou melhor, bom dia, bom domingo..."
         Depois que tudo acabou, os namorados, aliviados, começaram a rir da surpreendente blitz materna. Para o rapaz , o "sequestro relâmpago" havia terminado. Eles não estavam mais em maus lençóis. Nunca estiveram...

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