Uma agulha no palheiro. Informação selecionada e às vezes comentada, histórias do dia a dia dos mortais, crônicas e tudo aquilo que mexe com o humor de um jornalista inconformado
sexta-feira, 12 de agosto de 2016
SOB A LUZ DAS BEGÔNIAS
As begônias vermelhas estão aí? Sim, respondeu ela, digitando. Ele festejou sem dizer uma palavra. Afinal, enquanto aquele oceano de cor viva estivesse lá, em um grande cesto, ao lado dos temperos, na bancada que separa a sala de jantar da cozinha da casa, seria como um relógio carinhoso do tempo a lembrá-la que nem o passar das horas a faria esquecer dele, dos energéticos e fogosos tempos juntos, embora sempre [diga-se de passagem] aquela mulher tivesse dificuldade em pronunciar tal palavra e conjugar o verbo, rigorosa demais com o significado das palavras. Dele, não havia dúvida, o amor. E as begônias diriam [diante dela, enquanto durasse a sua vermelhidão quase solar] que ele era seu amante, que estava ali cuidando dela. Amantes para sempre, era o bordão.
Para aquele homem, ela significava oxigênio, não dióxido de carbono. A presença dela o acalmava. A ausência, agora maior, transformava tudo em cansaço, como o escapamento dos carros, a respiração ficava ofegante. A separação por alguns dias já escancarava que aquele encontro na prateleira digital não tinha sido fortuito. Que aquele acaso, ocorrido há nove meses, era algo mais forte, como uma providência divina. Era algo que nenhum dos dois iria conseguir "matar", mesmo tentando usar o tempo como uma arma eficaz. [Afinal, dizem que o tempo cura tudo, deixa então o tempo levar, deixa o tempo apagar, deixa isso deixa aquilo.] Não, pensava alto: o tempo apenas envelhece e mata as pessoas. Não, não cura nada, mal cicatriza feridas. [Então, não vamos perder tempo?, sugeriu.]
Um dia lá atrás, na euforia do inesperado encontro e de longas e deliciosas conversas matinais [ela ao volante rumo ao trabalho e ele, ainda deitado, acordando de suas insônias], ela disse, rindo: "Me segue que você brilha. No final tudo vai dar certo". Agora como um filme passava pela cabeça dele... a cabeça dela em seu ombro, a alegria dos olhares, os beijos secos e molhados, também os doces e salgados, o silêncio da cumplicidade, as viagens quase às escondidas, os segredos revelados, as vontades partilhadas, as loucuras bem vividas, as diferenças conhecidas, o grampo do motel, a embriaguez anestesiante dos bares, até mesmo as estridências sagitarianas.... Ninguém apaga o que a vida te dá como uma benção dos deuses, sob o risco de perder o viço.
As begônias vermelhas estão aí? Sim, então ainda há uma chance de sentir-la [mesmo à distância] como um sol tão perto. Mesmo quando ela ergue fronteiras que impedem aquele abraço fio-terra, gostoso, relaxante. As begônias vermelhas estão aí? Sim, para mostrar que ele te segue e vê seu brilho, a luz interminável daquela mulher. Ele segue, mesmo ferido sem entender muito bem o porquê [se ela não pode ficar 15 dias sem vê-lo, pode ficar sem vê-lo para sempre?]. As begônias vermelhas estão aí? Sim? Ele se recusa a calar e a aceitar a sombra que ausência dela vai deixando nas coisas.
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