Notícias sobre mortes no Mar Egeu assustam e milhares de sírios curdos tentam voltar a Kobani, perto da Turquia |
Kobani em ruínas: americanos bombardeiam postos do Estado Islâmico |
Em Izmir, à beira do Mar Egeu, na Turquia, um dos sírios que tentava fugir para a Grécia foi claro. Prefere morrer afogado a viver sob o comando do Estado Islâmico. "Em Raqqa, a vida não é sua, é deles. Você tem que obedecer ou morre. Lá você sente a morte de perto", disse o refugiado à BBC, semanas atrás. O depoimento do rapaz publicado neste blog [veja link no final deste texto]. Mas um efeito perverso tem causado agora a volta de milhares de sírios a Kobani, Você duvida? Na fronteira entre Kobani e Suruç, também na Turquia. cerca de 100 pessoas fogem por semana, mas 4 mil já retornam e desistem do êxodo, assustadas com as notícias de centenas de mortes nas tentativas de travessia nos mares Egeu e Mediterrâneo. Aí, muitas delas pagam um preço. São massacradas pelo grupo extremista Estado Islâmico.
A jornalista Patrícia Campos Mello, enviada à Síria, pela Folha, relata um desses epsódios. Foi o que aconteceu com 12 pessoas de uma mesma família. Berivan Hassan, funcionária pública, em 25 de junho passado teve sua casa invadida por extremistas em Kobani, disfarçados de soldados da milícia curda YPG, que combate o Estado Islâmico. Ela estava em casa quando ouviu um barulho. O irmão saiu para ver o que estava acontecendo e foi assassinado. A mulher dele, foi socorrê-lo e também morreu. A mãe quis ajudar e foi morta. Os milicianos do Estado Islâmico invadiram, então. a casa atiraram na mulher de outro irmão de Berivan, que levava no colo o filho de 2 meses. A criança sobreviveu, mas a mãe morreu diante do outro filho, de dois anos. Mataram mais dois irmãos, um tio e cinco parentes dela.
Naquela noite, massacraram 258 civis na cidade. Berivan já tinha perdido o pai em 2013, por causa de um carro bomba do Estado Islâmico, no centro de Kobani, e uma irmã, que morreu no front em 2014. Hoje, ela e os três irmãos que sobraram cuidam de seis sobrinhos órfãos, com idades entre 4 meses e 15 anos. Traumatizada com a guerra, Berivan pensou em fugir da Síria. Mas mudou de ideia. "Depois de toda a minha família ter se sacrificado, não tenho o direito de ir embora." Assim como Berivan, muita gente desistiu de emigrar para a Turquia ou Europa e preferiu voltar para casa.
Segundo Ismet Mohammed, 48 anos, administrador da fronteira entre Kobani e Suruç, Turquia, cerca de 4.000 sírios por semana estão voltando da Turquia e só 100 fazem o trajeto inverso."As pessoas viram muita gente morrendo no mar, assustaram-se e chegaram à conclusão de que ir para a Europa não é a solução. Elas precisam reconstruir a Síria", disse Mohammed.
A reconstrução será uma tarefa gigantesca. Entre setembro de 2014 e janeiro de 2015, durante o cerco do Estado Islâmico, a luta contra os extremistas e subsequentes bombardeios aéreos dos americanos para liberar Kobani destruíram 70% da cidade. Hoje, grande parte dos habitantes mora em ruínas. |O agricultor Ismail Bilal é um dos que fugiram para a Turquia e decidiram voltar. Ao chegar a Kobani, ele se deparou com sua casa destruída. Hoje, Ismail e a família de dez pessoas dormem ao ar livre, no espaço onde um dia foi sua cozinha. Só sobrou um cômodo da casa de pé. Ismail está desempregado, e a única filha que trabalhava, de 16 anos, hoje está no YPJ, o Exército feminino. "Não vou embora, é a minha cidade. Tenho fé que as coisas vão melhorar."
Apesar do fluxo de volta, dos 130 mil habitantes de Kobani, só estão na cidade 35 mil. O cantão chegou a ter 350 mil, e hoje só tem 100 mil. A falta de empregos é o maior desafio. Na última quarta, dia 23, Ahmed Mustafa, de 17 anos, estava na fronteira da Síria esperando para cruzar para a Turquia. De lá, ele ia pagar US$ 200 para um coiote levá-lo até o Curdistão iraquiano, atravessando um rio clandestinamente, com água pelo pescoço. "Aqui eu ganho no máximo US$ 100, e lá, US$ 800 por mês trabalhando em construção", justificava.Segundo Bozar Khalil, ministro do Interior do cantão de Kobani, o governo está fazendo um mutirão, empregando na reconstrução da cidade muitos dos habitantes que retornam. "Alguns estão traumatizados com os massacres e não vão voltar", diz.
O Estado Islâmico ainda está em Sarrin, cidade a apenas 40 km de Kobani. "Este front é crítico", afirma o comandante Mirhaz Botan, em um dos postos do YPG. "O Estado Islâmico montou um centro onde está treinando cem meninos a partir de 14 anos. "Os curdos do YPG trabalham em conjunto com os americanos, passando a eles coordenadas de GPS de onde estão os militantes do Estado Islâmico para que a coalizão bombardeie. Os soldados ouvem o barulho dos jatos americanos e brincam, olhando para cima, usando a palavra curda para "camarada": "Heval Obama!".
A maioria dos vilarejos está deserto, pois todos os civis fugiram. Por todo lado, veem-se placas vermelhas com uma caveira, indicando a existência de minas. Os habitantes de Kobani tentam se adaptar a uma vida sob ameaça constante. Shireen Misko, 15, mora numa casa sem móveis – foi tudo queimado pelo Estado Islâmico -- para fazer fumaça e atrapalhar os ataques aéreos americanos. Ela mexe na AK-47, apoiada no chão, com a desenvoltura de quem comenta a novela de Hollywood. "Meu sonho é ser cientista, mas talvez eu entre no YPJ para proteger minha família", diz. "Nossa vida virou de cabeça para baixo. Enquanto a maior preocupação das meninas na Europa é ter namorado ou não, eu não sei se o Daesh [sigla em árabe para o Estado Islâmico] vai voltar amanhã e me matar."
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