A paixão é como um vulcão em erupção intensa. É a felicidade elevada à enésima potência. Ela exala "cheiro de alegria" e quem está ao redor percebe. Ela move aquele rapaz e aquela moça que se conheceram na cidade bruta, implacável, congestionada e que une e separa pessoas na velocidade da luz. Ali o fôlego da novidade gerara energia suficiente para a ilusão da infinitude do amor. Ela estava no trânsito na hora de pico voltando para casa eufórica com a descoberta, seduzida pelas conversas diárias com aquele que mexeria para sempre [nessa hora tudo é eterno] com a vida dela. Ele, já em casa, aguardado ansioso o contato com furacão Jane, apelido que deu àquela mulher que representava mais impulso ao seu "renascimento". Por uma fração de segundo, o rapaz lembrou da tradição de dar nomes femininos a furacões. Mais do que pertinente, afinal ela entrara como um vendaval na vida dele, varrendo parte de suas dores e lembranças do passado. Agora, os tempos verbais eram diferentes, presente e futuro. Além disso, Jane trazia à memória um seriado de TV que ele adorava na infância: Tarzan enfrentava e vencia, ao lado de sua mulher Jane, os perigos da selva. Eram 5h da tarde, ela -- bem distante e ao volante -- aciona então o sistema digital de conversas pelo celular e começa a teclar.
"Oieee... meu amor!"
"Oi, ocupada?"
"Oi, fala amore!"
"Oi, o check-in será às 14h do dia 24 e o check-out ao meio-dia do dia 25 [ele contava que tinha feito a reserva para uma 'loucura' proposta por ela]. Ou seja, podemos entrar às 14h para 'o esquenta' até as 17h, e voltar após a ceia de Natal para 'o abraço' (digitou kkkkk). Muita vontade de te ver... você está aí ou acabou a bateria? [do celular]. Ele estranhara pelo horário, eram 20h25.
"Oi, você acredita que acabou a gasolina do carro!?' [e ria e ria, engarrafada no tráfego ainda pesado]. Sem celular [também com a bateria arreada], ela pedira emprestado um aparelho a moço e chamara um rebocador para levar o veículo a um posto de reabastecimento. "Cheguei só agora em casa!"
"Onde parou?? kkkkkkk
"Na Ponte Cidade Universitária."
"Putzzz!!!"
"Nem me fale... Eu sempre peço para completar [o tanque] e vou rodando... e a luz piscando [no painel, alertando sobre o fim do combustível]. Enfim, acabou, o nervosismo se foi. Nem posso falar disso na casa dos meus pais. Acho que já fiz umas 50 vezes [ela ri]. Meu pai fica puto da vida, Eu já nem conto, digo que me atrasei, que estava longe numa visita a trabalho [kkkkkk], senão é blábláblá."
Dois atos falhos em uma semana mostravam o quanto o novo amor, aquela paixão deliciosamente desenfreada, a deixara atordoada. Esquecera de encher o tanque do carro. Outro dia, não fosse um telefonema caseiro, teria esquecido a filha na escola [coisa que jamais faria]. O rapaz brincou, então, repetindo o que já dissera a irmã dela ao comentar seus estranhos e repentinos esquecimentos. "Você está apaixonada! Você está há 30 minutos falando dele e quase esqueceu a filha na escola!". Ele emendou. "Só você. É história para os netos", disse o rapaz, se apropriando de uma das frases prediletas de Jane para justificar algumas de suas sedutoras atitudes. "Ai amor, tenho preguiça de parar no posto e aí acontece isso. Depois eu fico nervosa comigo mesma. Mas tudo bem, já foi... Até a próxima [kkk]. "Meu amor, você tem certeza que quer continuar comigo?" [ela ri com intensidade, após o episódio da pane seca]. Ele, de bate-pronto, diz: "Por que não?"
"Onde você está? Vai dormir logo? Posso te chamar às 22h30? Vou comer algo, tomar um banho. Caso contrário, tudo bem, amanhã nos falamos", aliviou Jane. Eram 20h45.
Deu no relógio, 22h08, e o rapaz não se aguentou. "Oiiiiiii."
A resposta veio às 22h22. "Oi, amore, onde você está?"
"Aqui te esperando. Me liga, meu amor, sem pane seca!", disparou o rapaz, com singela ironia.
"Que foto é essa?", disse ela, reagindo a uma imagem que toma a tela do celular.
"Um teste, como não consegui apagar, enviei. É minha coxa direita" [kkk digita já deitado no leito].
"Você é maluquinho. Não dorme? [ele já tinha dormido sentado] Vou fazer chocolate para a minha filha. Sério, me espere, volto em 10 minutos". São 22h52,]
"Dê-me um pouco de sua atenção", buáááá, brinca o rapaz.
"Darei, meu amor. Me espere, não durma, ouviu?" Já venho!"
Como uma lava de vulcão, o sangue ferve e revela o quanto a paixão tomara seu lado esquerdo do peito e também o quanto as emoções já dominavam seus pensamentos mais que imperfeitos. "Preciso te beijar correndo, sinto sua falta. É caso de Janetite aguda", escancara o rapaz. "Ohhh, não fala assim, que loucura!", afirma ela, repetindo, com carinho, dua vezes o nome daquele homem que bagunçara seu coreto nas últimas três semanas e meia de amor na máxima voltagem. Bate gongo das 23h: Por que me perguntou se quero ficar mesmo com você?" "Estava brincando, mas ainda está em tempo! [de desistir]. Ambos gargalham à distância.
Meados de novembro. E a conversa digital ganha contornos ligeiramente mais sérios, assim como mais de 50 tons de cinza. "Não virou o ano e ainda vamos fechar nosso caderno para balanço" {ela diz e ele ri]. "É uma boa época. Vamos ficar sem nos ver, você vai viajar com seu filho, na volta, sentamos e fechamos. O que acha?" [ele envia um sorriso de novo, concordando]. "Já vamos estar mais estruturados..." "E se a conta fechar, o que acontecerá?" Ela não titubeia: "Nos conhecendo melhor, mais amor, mais beijos, mais entregas". Ele segue o fluxo: " Mais, mais e mais loucuras, mais carinhos".
Jane então bota mais lenha na fogueira. "Sou muito reservada. Quem sabe começo a adquirir confiança, mais e mais". Ele, afoito, reage: "Aí começa a adquirir?""Não, amore, não me interprete errado. Confiança, mais confiança, você adquiri com o tempo! É isso, eu tenho que ter esse tempo. Lembra que te falei do conjunto?" "Do conjunto da obra?!" "Isso, meu amor, não estaria saindo com você, se você não estivesse me fazendo bem. Você é um cara legal, gosto de estar com você, de te beijar... Vamos nos dar o tempo de nos conhecer. Não quero alguém para uma semana, um mês". "Eu também". "Todo esse tempo, você já imaginou se realmente quisesse tirar uma onda? Olha quanto tempo perdido. Penso em tempo, sim, tenho 45 anos, não vou ficar com uma pessoa que não me agrega nada" "Claro que quando se gosta de verdade, você que 'para sempre'" [ele interrompe brevemente] "Sim, que seja eterno enquanto dure! Mas meu amor... tenho saudade e tenho sono [diz ela, rindo]. Aquele homem, romântico, então dá a sua nova noção de tempo: "Aos 58, o 'para sempre' e 'o eterno' são logo ali!" [ambos riem] "Esqueci, não parece. Para mim, você tem 40, meu amor". Antes de dormir, ele ainda diz: "O que me importa são todos os dias, parece louco, apressado, mas vivi assim. Vivo assim. entendeu?" "Não entendi!" "Espero ficar com você 10.000 dias desde que fique hoje, amanhã e depois". "E também na noite do dia 24", afirma ela, em tom claro de brincadeira. "A intensidade também me interessa, é isso" [ele arremata].
E Jane volta sugerir: "Vamos dormir?" "Dia 24 está pronto. Você leu o que escrevi sobre isso", insiste ele. "Sim", responde ela, sonolenta. "A noite de Natal vai ser na minha irmã e o 25, na minha mãe. Vou estar liberado à meia-noite. No 24, vou entrar no seu caderninho". "Com certeza, meu amor, mas vamos dormir?" "Vamos", enfim diz ele, e manda beijos "daqueles". "Nossos". Ela retribui e, num último suspiro, pergunta: "Neste domingo, a que horas você vai deixar seu filho?" [com a ex] "Às 20, como diz a lei", ironiza. "Não tem como levá-lo mais cedo?" "Vou ver. Quais são suas intenções? [kkkk maroto] "Amanhã, nos falamos". "Se não der [para vê-la] no sábado, vou garantir o domingo". Ela envia beijos digitais com um "está bom". "Eu te quero", digita o rapaz.
Na noite chuvosa e fria do Natal daquele ano, Jane e aquele homem se encontraram e passaram a madrugada em um hotel da zona sul da metrópole, após brindes com champanhe francês. Não abriram nem as cortinas das grandes janelas do quarto. Não olharam para o céu para saber se havia lua ou muitas estrelas. Só olharam para eles mesmos. Bastava. Um vulcão "apagado" acabara de explodir naquele momento, espirrando fogo de seu caldeirão em lavas.
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