Óbidos: uma cidadezinha inteira cercada por uma muralha é agora cenário de feiras literárias em Portugal |
Ruela de Óbidos: lojas, albergues, bebida típica e livros por toda parte |
Nada é tão mais lindamente lusitano do que a minúscula Óbidos, A vila, localizada a 80 km ao norte de Lisboa, é uma pérola desde os tempos medievais. Estive lá em férias, em setembro de 1993, quando descobri o porquê não deveria ter demorado tanto a visitar a terrinha original, da qual herdo a maior parte do sangue que corre em minhas veias. Recordo que saí bem cedo para pegar o trem para passar um dia no vilarejo. Cheguei à estação da capital portuguesa meio em cima da hora, na correria e perguntei: "Onde pego o trem para Óbidos?" O segurança olhou-me como se estivesse falando com um ET. Então, eu repeti: "Trem!". Como em toda estação europeia havia muita gente e pensei: "Estou frito, vou perder o trem e não terei tempo de conhecer Óbidos". Aí o segurança viu o meu bilhete e disparou, com o legítimo sotaque lisboeta: "O comboiosaidagare5", tudo coladinho, quase incompreensível, mas entendi. Ufa! Viajava sozinho e em Portugal não há trens, só comboios. Pelo menos, foi o que me pareceu. Cerca de 1h30min depois desembarquei, solitário, na estação de Óbidos, que fica fora da muralha. Dela, você pode avistar a cidadezinha no alto do único morro da região. É uma caminhada de até 15 minutos até a entrada da "cidadela" ou "cidade fortificada", o significado da palavra "óbidos", uma derivação do termo latino "opido".
A vila com cerca de 100 habitantes intramuros, mais 11 mil na área rural do município, sempre viveu do turismo, depois que entrou nos guias como uma das sete maravilhas de Portugal. Durante meu passeio de um dia, um bate-volta de Lisboa, registrei uma modelo sendo fotografada em preto e branco, como o figurino de roupas antigas, mais parecendo uma mulher "fadada" a chorar por seus amores nas ruelas e becos de seu coração. Dava até para imaginar a trilha sonora, um fado moderno, de Madredeus: "Ao largo ainda arde/ a barca da fantasia/ e o meu sonho acaba tarde/ acordar é que eu não queria". Aliás, para quem pretende conhecer essa jóia da Coroa Portuguesa [uma Ouro Preto no alto de um platô] deve experimentar a bebida típica do vilarejo, o licor de Ginja, que, diz a lenda, só não cura justamente corações partidos.
Agora há ainda uma novidade, segundo o escritor Rui Castro. Óbidos virou uma "vila dos livros" e vai passar a realizar por ano cinco festivais literários -- um deles, o Festival Literário Internacional de Óbidos, que aconteceu na semana passada, com a presença de autores, que tiveram ali a possibilidade de entrar em contato direto com o público. Portanto, reproduzindo as palavras de Rui Castro, "se você ainda gosta de livros impressos -- aqueles que simbolizam a nossa superioridade junto a plânctons e amebas --, uma utopia começa a tornar-se realidade: uma cidade que respira livros". Ela é sustentada hoje pelo público que vai não só apreciar a arquitetura de suas casas e o desenho de suas ruas, mas também visitar suas 11 livrarias, nada convencionais. Algumas em caves de vinhos, galerias de arte, dentro de igreja e até na mercearia, onde os livros quase se mesclam com maços de brócolis, tábuas com peras e cachos de uvas.
100 moradores e 11 livrarias intramuros... Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal, tornar-se um imenso Portugal!
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