domingo, 4 de outubro de 2015

UMA IDEIA ANIMAL: ANJOS, PRIVILÉGIO E CUÍCAS

    
Pastora alemã, Lara [1967 -1979]: morte na véspera do réveillon



     30 de dezembro de 1979: Lara, a pastora alemã que cuidei, convivi e conversei durante 12 anos, morreu. O coração dela já não estava funcionando bem há algum tempo, e para não sentir dor no verão ficava deitada no piso frio da garagem, na sombra, olhando para o portão de casa. Na véspera do réveillon, cheguei do trabalho e ela não estava mais lá. Chorei. Melhor, choramos, eu e meus irmãos. Aquele réveillon realmente se tornara inesquecível.

        Até agora ela está na minha memória, e sua foto está no meu "hall da fama", a parede de casa dedicada a imagens da família e parentes. Sou daqueles que acha que o amor-companhia de um cão é algo tão precioso que a prisão é [às vezes] pouco para quem tortura ou maltrata um animal tão generoso -- aliás, corrigindo, dos animais em geral. Digo isso porque gosto muito de ler artigos sobre de cães e adoro ver na TV a cabo documentários sobre bichos selvagens e também os "pets". Foi quando me deparei na internet com a notícia de uma suposta bondade proposta por um vereador de Curitiba (PR).
     
       29 de setembro de 2015: Pré-candidato à prefeitura daquela capital, o Professor Galdino (PSDB) apresentou na terça-feira passada um projeto que institui um dia de folga no trabalho ao servidor municipal quem perder seu animal de estimação. Um dia de luto em caso de morte de seu bichinho. Segundo o projeto, apenas os donos cujos animais são microchipados e com cadastro na Rede de Proteção Animal poderiam usufruir da folga, facultativa e sem prejuízo financeiro.

      O vereador Galdino, conhecido por ser "defensor de causas animais", disse que além de reconhecer o vínculo entre a pessoa e seus animais "o projeto estimula a microchipagem" dos bichos. [Será que um amigo, parente ou ele próprio é sócio de uma empresa do ramo? Ou é um estímulo desinteressado? A suspeita pode ser indevida, mas minguém averiguou.] O microchip é um dispositivo colocado sob a pele no dorso do animal e traz informações sobre o bicho e seu dono, com o intuito de facilitar a localização em casos de perda ou fuga. No projeto, o vereador justificou a medida da seguinte forma: “Os animais são anjinhos que Deus colocou em nossas vidas, vamos sair de vez do antropocentrismo, com o homem no centro do Universo, e entrar no biocentrismo, em que todas as formas de vida são importantes.” A rigor, proposta altera um dos artigos do Estatuto dos Funcionários Públicos Municipais de Curitiba, que dá oito dias consecutivos de faltas devido ao falecimento de cônjuge, companheiro, pais, filhos, avós, netos e irmãos. Para a morte de  sogros, enteados e cunhados, a licença pode ser de dois dias.

     Embora pareça de boa intenção, na verdade o distinto vereador está defendendo mais uma regalia ao funcionalismo. E pior, em vez de promover a defesa dos animais, pode estar incentivando a matança de cães e gatos. Por que só os servidores públicos municipais podem ter um dia de luto? [e o resto da população que trabalha?]. E quem tem cobras e lagartos, passarinhos e peixinhos de aquário? Pode tirar um dia de luto, se um deles morrer?  E se morrerem dois ou vários bichos. O servidor público curitibano vai ter um dia para cada bichinho morto? Outra coisa a temer é a maldade humana: alguém é capaz de arrumar bichos só para arrumar folgas remuneradas. E assim virar um "matador em série" de cães e gatos, deixando aflorar o psicopata que haveria dentro desse eventual funcionário público.

      Até hoje tenho gravada na memória uma imagem de horror de meados dos anos 1960. O pessoal da carrocinha correndo atrás de um bando de cachorros e laçando-os no final da Avenida Santo Amaro, pouco adiante da estátua gigante do bandeirante Borba Gato. Do portão de casa, fiquei olhando aquela cena, aflito. Depois de esganiçar na laçada, o bichinho era arremessado para dentro do caminhão fechado, semelhante ao de um frigorífico. Quando perguntei para onde iriam, fiquei sabendo que seu rumo era o canil municipal. E, se ninguém reclamasse, virariam sabão. Aos 7 anos -- e com a Lara minúscula em casa, dormindo numa caixa de sapato cheia de panos para não sentir frio -- fiquei chocado e paralisado com a notícia. Hoje, não é mais assim, segundo uma amiga que faz trabalho voluntário para adoção no Centro de Zoonoses paulistano. Cães e outros animais sadios não podem ser sacrificados. Há cerca de 15 dias, havia uns 300 cães lá esperando um dono.

    Sempre desconfiei dos espetinhos de carne vendidos em porta de estádio, conhecidos por "churrasquinho de gato" ou "filé de cachorro". E também não gosto de saber que tamborins e cuícas eram feitos com couro de gato no passado, por sua resistência maior. Não é lenda, não. Não é mais assim hoje, dizem [porque há opções melhores e mais baratas], mas nem gosto de pensar no assunto. E se depender de mim, senhor Galdino, farei campanha contra esse projeto e também contra a sua candidatura. Uma vez que o senhor parece fazer mesmo juz ao significado do nome assina: "autoritário". Se como vereador, na semana do dia mundial dos animais [4 de outubro], o senhor tem ideias como esta e defende privilégios, imagino o que não faria como prefeito de Curitiba.  
   

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