domingo, 4 de outubro de 2015

SAMBA NO PÉ - HISTÓRIAS DE CAMPANHA

1988: Covas na quadra da escola de samba Rosas de Ouro, reduto tucano no mundo dos bambas paulistanos

        Em 1998, a eleição estadual foi renhida. No primeiro turno, o governador Mario Covas, tucano em busca da reeleição, foi derrotado de forma fragorosa por Paulo Maluf, por 32,2% contra 22,9%, e com só 74 mil votos à frente da 3ª colocada, a petista Marta Suplicy [22,5%]. Até hoje os petistas se queixam das pesquisas, que não davam essa diferença mínima entre Covas e Marta [equivalente à lotação atual do estádio do Morumbi], e dos tucanos, por terem feito campanha pelo "voto útil" já no primeiro turno, sugerindo que só Covas seria capaz de vencer Maluf no 2º turno.

       Na antevéspera da eleição, sexta-feira, 2 de outubro, por exemplo, o Instituto Datafolha divulgou o seguinte resultado de pesquisa sobre intenção de voto dos paulistas: Paulo Maluf, 31%; Francisco Rossi,18%; Mario Covas,17%; Marta Suplicy,15% e Orestes Quércia, 6% . O resultado das urnas mostrou um erro de 7,5% em relação aos votos de Marta. Rossi é que estava atrás na faixa dos 15% [dentro da margem de erro]. O "voto útil" em Covas, então, tirou a petista do segundo turno, já que na realidade ela havia, no mínimo, ultrapassado o conservador Rossi. Mas isso não aparecia na pesquisa Datafolha.
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        No segundo turno, Covas -- que tinha baixos índices de aprovação em relação ao seu primeiro mandato -- se reelegeu governador paulista a partir de um mote único: "ética na política" contra "rouba, mas faz". Colou, claro, e Covas obteve 55% (9,8 milhões de votos) e Maluf ficou com 44% (7,9 milhões de votos). Uma virada espetacular, olhando para o placar do primeiro turno. Foi como se todos os eleitores de Marta, Quércia [sepultado eleitoralmente ali] e 30% dos que votaram em Rossi tivessem descarregado suas fichas no tucano.
        Nesse tempo, trabalhava na sucursal paulista do ainda influente Jornal do Brasil [o mesmo que pouco mais de uma década antes, em manchete de capa, dizia que Erundina crescia e podia vencer em São Paulo, furo que fez se moverem seus concorrentes nacionais, à época só Folha e Estadão]. Mal administrado, o JB já passava por dificuldades financeiras, não depositava o FGTS, mas ainda tinha um punhado de bons colunistas e mantinha uma luxuosa, ainda que esvaziada, sede no Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, onde hoje fica uma academia de ginástica.

        O ambiente de trabalho, apesar de tudo, era o melhor possível para os padrões das redações dos grandes jornais. Só havia um carro de reportagem. Era uma loucura, pegava-se metrô ou táxi para fazer as entrevistas. Era como um grande time de futebol que perdera alguns craques, mas os que estavam ali vestiam a camisa com garra, talvez para compensar. Havia muita liberdade para sugerir pautas. Até trabalhei num domingo de folga para escrever texto de uma página com o bastidor da aliança Lula-Ciro que seria anunciada no dia seguinte, ainda no primeiro turno do pleito que reelegeria Fernando Henrique Cardoso sem segunda rodada de votação. O Plano Real era um sucesso, moeda forte e inflação baixa. Pouca gente sabia [ou imaginava] que a paridade com o dólar iria acabar em janeiro. O país sofria um forte ataque à moeda e milhões [depois bilhões] de dólares estavam sendo diariamente retirados daqui por especuladores e investidores, sem que o governo conseguisse defender o real. Eu havia voltado de um ano sabático no exterior, estava muito feliz e irradiava essa leveza, especialmente às mulheres. Não foi por acaso que [embora tardiamente aos 42 anos] me casei com a mulher com quem teria o adorável Thiago, hoje um garoto com 7 anos de vida.

         Por que estou contando isso? Porque me sentia tão bem que nem sair para trabalhar numa sexta-feira à noite me tirava o bom humor. Foi assim que, no segundo turno, fui cobrir a visita de Covas a uma escola de samba paulistana, a Rosa de Ouro, na zona norte, conhecido reduto tucano no mundo dos bambas. O governador candidato chegou acompanhado pela primeira-dama, dona Lila. Assim que foi anunciada a sua presença, a bateria acendeu a quadra. De repente, dona Lila cedeu ao arrepio dos tambores e começou a sambar, e bem. Olhei para Covas e rindo disse: “Olha lá, dona Lila está mostrando samba no pé”. “E o senhor, não vai fazer a corte?” insisti. O candidato, rindo bastante, colocou a mão no meu ombro e me disse: “Só vou se você mostrar também sua ginga”. Repiquei: “O povo está esperando, governador. O senhor é o candidato”. Gargalhamos, mas vou ficar devendo o nome do fotógrafo que registrou a cena. Até que uma porta-bandeira da Rosas, uma mulata de cair o queixo, chamou-o para o meio da quadra. Sorrindo, Covas resistiu ao convite bravamente e ficou devendo ali o que mostrou nas urnas: um incrível jogo de cintura eleitoral. 

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